Wednesday, April 05, 2006

Cooperação e Competição

No desporto

São seis e meia de ontem. (Gosto desta ubiquidade temporal dos jornais). Dentro de pouco tempo o Benfica vai defrontar o Barcelona. O favorito é o Barça mas lá em casa e em muitas casas portuguesas torcem pelo Benfica. Se ganhar é uma alegria de algumas horas. Se perder é uma mágoa de alguns minutos.
Os jogos desportivos têm esta magnífica capacidade de tornarem absoluto cada momento mas, ao fazerem-no, acabam por esvaziar a relevância do passado e do futuro. A vida devia ser mais assim. Mais momentânea do que permanente. Mais aqui e agora, do que feita de memória e de planeamento. E como somos levados a viver com passado e futuro e sem presente gostamos de ver jogos que nos dão a importância de cada instante.
A outra grande lição dos jogos desportivos é que conciliam quase na perfeição a competição com a cooperação. Bastam meia dúzia de regras para que a luta de reminiscências paleolíticas para guardar um objecto precioso num qualquer resguardo, se transforme num espectáculo magnífico que cria sonhos nas crianças de favela e diverte milhões nos estádios e nas televisões.
O maravilhoso é que, em cada equipa, está bem definida a fronteira entre a cooperação e a competição. Os jogadores de uma equipa cooperam entre si para competirem com a equipa adversária. No entanto esses mesmo jogadores também competem uns com os outros para não ficarem no banco de suplentes e para serem chamados para equipas melhores. O segredo de tudo isto está na criação de regras claras que, quando não são respeitadas, degradam o jogo e reduzem o desempenho dos jogadores.

Na economia

O exemplo do desporto serve perfeitamente para a economia. Sabemos que o desenvolvimento regional resulta em grande parte da capacidade que as cidades, com os seus territórios, têm de competir entre si. Não tanto para atrair investimentos públicos como tem sido moda em Portugal, mas sim para vender os bens e serviços em que se especializaram nos mercados globais. O problema é que essa competição externa das cidades só é sustentável se, ao mesmo tempo, houver competição e cooperação interna. Dou-vos o exemplo do queijo de São Jorge. O queijo de São Jorge tornou-se competitivo porque cada uma das cooperativas conseguiu concorrer com as outras pela matéria prima mas também cooperar em torno da venda de um produto de marca comum. Quando os governos míopes querem concentrar tudo numa União de Cooperativas, para melhor controlarem e subjugarem os agentes locais, acabam por minar um dos requisitos essenciais à competitividade da ilha de São Jorge.
Mas o jogo de cooperação / competição que sustenta o bom futebol e o desenvolvimento regional não se limita à promoção da competição entre os factores produtivos (jogadores ou leite), e a cooperação em torno de produtos (golos ou queijo). De facto o outro factor essencial do desenvolvimento é a dinâmica do ganhar e do perder. Quando se ganha obtém-se uma margem extra para o investimento e para a inovação. Quando se perde ganha-se o saber dos erros cometidos e algum conhecimento que emana dos ganhadores.
É por isso muito importante criar regras de jogo que promovam a competição e a cooperação. O Governo fê-lo bem quando, em São Miguel, aumentou ao mesmo tempo a oferta turística através de apoio à construção de hotéis pois a competição entre eles permitiu reduzir o preço e manter os Açores relativamente competitivos em termos turísticos. O governo faz muito mal quando favorece empresas e entidades mais suas amigas pois, pretendendo fomentar a cooperação com as entidades suas amigas, acaba por minar a concorrência e a cooperação entre os agentes económicos que, esse sim, é promotor do desenvolvimento.

1 Comments:

At 5:56 AM, Blogger Desambientado said...

Tem muita piada este ditorial. Bem pensado.

 

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