Friday, October 10, 2008

Visigodos

Como é costume todos os anos, estou a passar uns dias de férias no Algarve. Dizem-me que é um desperdício deixar os Açores nesta altura de verão mas também é a única forma de me encontrar com a minha família continental de passagem para o congresso anual da European Regional Science Association onde costumo participar e que este ano se realiza em Liverpool, um sítio fácil de alcançar quer de Lisboa quer de Faro através dos voos baratos e eficazes da EasyJet.
No Algarve a vida passa entre as conversas e os banhos de praia, as conversas e sopas das refeições, mais uma ou outra caminhada que os areais do sul permitem, e um livro ocasional que alguém trouxe para tresler. Nas conversas deixou de haver espaço para a política já que a esperança está cada vez mais numa mudança repentina de regime; uma espécie de revolução que mude o rumo das coisas. Nas refeições ainda há acesso a peixe mas quase todo vem de longe pois as políticas de quotas europeias e a delapidação dos stocks pelos barcos espanhóis eliminou a linha do horizonte iluminado de pequenos barcos de pesca a que costumávamos chamar a “Auto-estrada de Marrocos”. Os banhos são um desconsolo para quem vem dos Açores com a água muito mais fria e muito menos transparente. Resta-nos assim o livro para vos contar.
Este é sobre a “Aventura dos Godos” de Juan António Cebrián, que procura na história daquele povo bárbaro a razão de uma certa hispanidade que eles como os de agora tiveram e têm dificuldade de conseguir. Todos nós pouco mais sabíamos que os Visigodos chegaram à Península um pouco depois dos Alanos, Vândalos e Suevos no princípio do século V e que passado alguns séculos conseguiram criar um reino peninsular que, no entanto, pouco tempo durou antes de ser derrotado pelos árabes no século VIII. Também sabíamos que eram de religião ariana e que só no fim da sua presença se converteram ao catolicismo.
O que foi para mim novidade foi que os visigodos eram pouco mais de 200000 quando a Península tinha cerca de sete milhões de hispano-romanos de religião católica. O que é novo para mim é que estas tribos estavam proibidas de se misturar com a população hispano-romana até ao princípio do século VII e que tiveram muita dificuldade em controlar o actual País Basco, a Cantábria, a Galiza e a Andaluzia. O que é marcante é que a maior parte dos reis desta gente morreu por assassinato e que se tratava de uma monarquia electiva como foi mais tarde retomado em Portugal onde o rei tinha que ser aclamado pelas Cortes. O que me contaram no livro foi de facto o processo de destruição do Império Romano e a longa criação de novos Estados da Europa com as fronteiras e nacionalidades que se mantém até agora. O que também percebi é que a criação dessas nacionalidades é impossível sem o papel da Igreja Católica que estimulou a unificação entre a minoria aguerrida bárbara e ariana e a maioria romanizada e católica. O que vemos é que a divisão da Península no tempo dos Romanos e Visigodos foi marcada pela distância ao Mediterrâneo cabendo alguma unidade às civilizações do Tejo e do Guadiana com capital em Mérida. No entanto a divisão da Península a partir da reconquista cristã é marcada pela distância ao Atlântico que passa a ser o “rio maior” e determinante. E nesse “rio maior” os Açores são a âncora essencial que desilude a sempre efémera unidade hispânica; mesmo no tempo dos visigodos.

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