Wednesday, June 18, 2008

Grande Irlanda

Talvez pouco saibam mas a Europa que hoje temos deve-se em grande parte aos Monges Irlandeses que durante as invasões bárbaras foram capazes de guardar e depois expandir a sabedoria da civilização cristã terrivelmente ameaçada pelo colapso do Império Romano. É bom lembrar isso pois será porventura o Não irlandês, que agora deixa perplexos muitos políticos europeístas, a garantia para que a União Europeia continue a ser uma instituição fazedora de paz em vez de guerra, uma entidade que se sustenta e se apoia na soberania de muitos povos e não da efémera e terrífica vertigem filipina, napoleónica, nazi, estalinista ou titista de má memória.
Ainda bem que a Irlanda tem referendo porque se isso não acontecesse a Constituição Europeia passaria sem qualquer voto popular. Fizessem o referendo em Portugal, Inglaterra, França, Holanda, Polónia, República Checa e Dinamarca e muito provavelmente o não venceria. Quer isto dizer que todos estes povos são estúpidos e não percebem o que é a construção europeia? Certamente que não a menos que o desígnio dos políticos europeístas seja serem cabos, sargentos e praças de um novo imperador. O que quer dizer, tão simples quanto isto, é que a Constituição Europeia tem mais contras do que prós e que os políticos, europeístas e não europeístas, não foram capazes de retirar os contras e de manterem os prós.
Muita gente apoiará a vocação europeia na construção da paz, mas ninguém está interessado em que essa paz seja feita à conta de uma confronto militar face aos Estados Unidos, à Rússia e ao Islão. Toda a gente estará de acordo em que o processo de decisão na Europa deve ser agilizado, mas poucos concordam em que a Europa tenha competência que não sabe nem consegue gerir bem como é o caso manifesto da gestão da biodiversidade marítima. Toda a gente acha bem a liberdade de circulação de pessoas, de capital e de bens dentro da Europa mas muitos acham mal que isso implique a redução das ligações entre os países europeus e os países do mundo que partilham da mesma língua e que sofrem com o proteccionismo europeu.
Mas o que mais me aborrece e confunde no projecto de Constituição Europeia é ele ter o nome do Tratado de Lisboa. A ideia de Europa que aí se defende é uma Europa fortaleza onde a única função da fronteira é a de ter militares e faroleiros subsidiados e políticos e eleitores vendidos para preservar a hegemonia de um centro do Sacro Império Romano Germânico. O conceito de Europa que aí se retrata é de um super - estado intervencionista que restringe a liberdade das empresas e dos cidadãos e distribui às periferias de exclusão uns dinheirinhos para manter aqueles que nem conseguem emigrar. A Europa que aí se defende é uma construção ideológica que impõe um modelo onde a liberdade de cada homem, de cada família, de cada comunidade e de cada país fica sujeita a uma trama complexa de regulamentos cuja única função é afectarem rendas roubadas aos proveitos do enorme capital humano e territorial que a Europa detém.
Tenho muita pena que o referendo não tenha sido feito em Portugal. Muito provavelmente votaríamos não. Seria um voto contra uma Europa Imperial e a favor de uma Europa Arquipelágica. Seria também um voto de Portugal contra a Lisboa política que ainda temos de carregar por mais alguns anos. Como é que aceitamos que se apregoe a democracia quando negam o poder do voto exactamente quando há indícios de que o voto é não.

1 Comments:

At 4:14 PM, Blogger Tibério Dinis said...

Bom texto, apesar de não concordar com a parte final.
A Europa tem primado pela liberdade do homem, se há aspecto que a UE conseguiu fazer prevalecer foi os direitos de particulares e em caso de litigio colocar estados e particulares em pé de igualdade. Também, a liberdade do homem tem sido aprofundada, especialmente em matéria económica, onde a inércia legislativa nacional - talvez de propósito - faz com que seja a UE a regulamentar muitas matérias que os nossos políticos umas vezes não sabem ou não querem regular.

Também era contra o referendo em Portugal, acredito na democracia parlamentar por principio e qualquer tratado internacional é demasiado importante e complexo para ser debatido em referendo. Enquanto se desvalorizar os parlamentos, os cidadãos nunca acreditarão plenamente no nosso sistema democrático.

Cumrpimentos, bom texto

 

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