Wednesday, June 18, 2008

Contra a Autoridade! Liderar, liderar,...

De 2 a 6 de Junho decorreu no Hotel Terceira Mar em Angra do Heroísmo um curso denominado “Liderança para o Século 21” promovido pela Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento com o subsídio inevitável do Governo Regional dos Açores e o pagamento de propinas por parte dos alunos. A entidade responsável pelo curso foi a Harvard Kennedy School tendo como docentes os professores Maxime Fern, da Austrália, Hugh O’Doherty, da Irlanda do Norte e Marty Linsky, dos Estados Unidos.
Os cinquenta participantes foram escolhidos de entre duzentos e tal candidatos. Em termos geográficos vinte vieram de Lisboa, onze da Terceira, nove de São Miguel, quatro do Porto, e três de outras regiões do país. Trinta e um vieram de entidades privadas, sete de universidades, sete do Estado e dois de outras instituições. As idades variavam entre vinte e poucos e cinquenta e muitos, e havia cerca de um terço de senhoras para dois terços de homens. Alguém questionou sobre o critério de selecção mas o importante foi encontrar uma representação criativa da população portuguesa naturalmente um pouco enviesada para os locais em que o curso estava mais acessível.
O curso foi um choque permanente. Primeiro, com a leitura do livro “Leadership on the Line” percebemos que liderança tem mais a ver com o testemunho de São João Baptista do que com a autoridade de Herodes, muito mais a ver com aqueles que arriscam para mudar o mundo e as organizações, do que com aqueles que procuram manter as coisas quando estão em cargos mais ou menos proeminentes. Segundo, ao longo do curso, fomos entendendo à custa de todos que tínhamos mais a aprender com os nossos próprios erros, nas tentativas de mudarmos os grupos com quem interagirmos, do que com a emissão e recepção de slides e discursos. Terceiro, depois de voltarmos aos nossos sítios, registámos a dificuldade de começar a implementar os processos de liderança e risco capazes de mudarem o mundo para melhor.
Mas o que é que nos impede de mudar o mundo, se é para melhor? O problema é que, embora as pessoas e as instituições não sejam contra a mudança, são naturalmente contra as perdas que as mudanças sempre criam. E por isso tratam de anular as atitudes de liderança adaptativa através da marginalização, da diversão, do ataque e da sedução. É o caso sintomático da liberalização dos transportes aéreos para São Miguel e para a Terceira onde uns tantos, que temem perder benefícios e poder, procuram marginalizar quem defende a mudança da regulação, buscam divergir para assuntos paralelos como declarações de princípios de características totalitárias, atacam com ironia quem sugere o estudo de soluções de regulação alternativas, e seduzem com sabedoria aqueles que teriam mais fundamentos para defender a liberalização.
Face a tanta adversidade por parte de quem exerce autoridade como é possível provocar a mudança necessária através de uma liderança adaptativa? A técnica que os docentes de Harvard propuseram ajuda-nos a perceber um pouco porque razão os sistemas humanos resistem às mudanças; mas também nos indicam a forma de ultrapassar essas restrições. Por um lado há que definir como de costume os problemas, os objectivos e as acções – como nos ensina qualquer manual de desenho de projectos. Por outro lado, e mais importante, é fundamental explicitar os objectivos velados que nos impedem de avançar com as acções necessárias, e perscrutar os riscos que corremos se as acções forem de facto avante. No caso dos transportes aéreos o problema é a falta de acessibilidade das ilhas, o objectivo é a garantia dessa acessibilidade a preços comportáveis e a acção seria liberalização dos transportes para São Miguel e terceira em vez da concessão de monopólios de serviço público. No entanto, se formos perspicazes, percebemos que o objectivo subjacente à não liberalização é evitar a falta de competitividade de companhias de bandeira e resistir à transferência da plataforma de distribuição regional de São Miguel para a Terceira ou para o Faial. A solução revolucionária que nos apontaram resume-se à máxima, se possível cantada, “contra a autoridade, liderar! liderar!.. com desígnio e persistência”

Grande Irlanda

Talvez pouco saibam mas a Europa que hoje temos deve-se em grande parte aos Monges Irlandeses que durante as invasões bárbaras foram capazes de guardar e depois expandir a sabedoria da civilização cristã terrivelmente ameaçada pelo colapso do Império Romano. É bom lembrar isso pois será porventura o Não irlandês, que agora deixa perplexos muitos políticos europeístas, a garantia para que a União Europeia continue a ser uma instituição fazedora de paz em vez de guerra, uma entidade que se sustenta e se apoia na soberania de muitos povos e não da efémera e terrífica vertigem filipina, napoleónica, nazi, estalinista ou titista de má memória.
Ainda bem que a Irlanda tem referendo porque se isso não acontecesse a Constituição Europeia passaria sem qualquer voto popular. Fizessem o referendo em Portugal, Inglaterra, França, Holanda, Polónia, República Checa e Dinamarca e muito provavelmente o não venceria. Quer isto dizer que todos estes povos são estúpidos e não percebem o que é a construção europeia? Certamente que não a menos que o desígnio dos políticos europeístas seja serem cabos, sargentos e praças de um novo imperador. O que quer dizer, tão simples quanto isto, é que a Constituição Europeia tem mais contras do que prós e que os políticos, europeístas e não europeístas, não foram capazes de retirar os contras e de manterem os prós.
Muita gente apoiará a vocação europeia na construção da paz, mas ninguém está interessado em que essa paz seja feita à conta de uma confronto militar face aos Estados Unidos, à Rússia e ao Islão. Toda a gente estará de acordo em que o processo de decisão na Europa deve ser agilizado, mas poucos concordam em que a Europa tenha competência que não sabe nem consegue gerir bem como é o caso manifesto da gestão da biodiversidade marítima. Toda a gente acha bem a liberdade de circulação de pessoas, de capital e de bens dentro da Europa mas muitos acham mal que isso implique a redução das ligações entre os países europeus e os países do mundo que partilham da mesma língua e que sofrem com o proteccionismo europeu.
Mas o que mais me aborrece e confunde no projecto de Constituição Europeia é ele ter o nome do Tratado de Lisboa. A ideia de Europa que aí se defende é uma Europa fortaleza onde a única função da fronteira é a de ter militares e faroleiros subsidiados e políticos e eleitores vendidos para preservar a hegemonia de um centro do Sacro Império Romano Germânico. O conceito de Europa que aí se retrata é de um super - estado intervencionista que restringe a liberdade das empresas e dos cidadãos e distribui às periferias de exclusão uns dinheirinhos para manter aqueles que nem conseguem emigrar. A Europa que aí se defende é uma construção ideológica que impõe um modelo onde a liberdade de cada homem, de cada família, de cada comunidade e de cada país fica sujeita a uma trama complexa de regulamentos cuja única função é afectarem rendas roubadas aos proveitos do enorme capital humano e territorial que a Europa detém.
Tenho muita pena que o referendo não tenha sido feito em Portugal. Muito provavelmente votaríamos não. Seria um voto contra uma Europa Imperial e a favor de uma Europa Arquipelágica. Seria também um voto de Portugal contra a Lisboa política que ainda temos de carregar por mais alguns anos. Como é que aceitamos que se apregoe a democracia quando negam o poder do voto exactamente quando há indícios de que o voto é não.