Sunday, April 09, 2006

Será que o povo prefere a propaganda?

O Promedia foi aprovado e os órgãos de comunicação social dos Açores vão começar a implementar as medidas de gestão que tinham planeado para o mau cenário do projecto ser aprovado. Não havendo subsídio ao papel, haverá menos jornais de borla disponíveis nas mesas de cafés. Não havendo subsídio ao papel, haverá restrições nos gastos correntes. Por outro lado havendo apoio a algum investimento e a alguma formação haverá necessariamente a apresentação de propostas de investimento e de formação. Vamos a ver como é que o Governo as selecciona e financia! Em conversa aqui e ali as pessoas acham bem que se retire os subsídios. Não as convence a explicação de que a comunicação social está a prestar um serviço público e que é na medida desse serviço que deveria haver o apoio público. Tudo bem.
No entanto convém lembrar as pessoas e os deputados que o gasto que o Governo faz na sua comunicação social e na propaganda jornalística é muito superior aos pequenos apoios que dá aos órgãos de comunicação social privados. E tudo isso é pago naturalmente pelas taxas e pelos impostos.
Desde logo a RTP-A e a RDP-A cujos jornalistas e técnicos são financiados por taxas que todos pagamos. Mas o Governo pouco se preocupa com o desempenho destes seus funcionários desde que mantenham a máquina de propaganda do poder. Pouco importa saber se as audiências são muitas ou poucas, o que importa é que não façam muitas ondas e que estejam à disposição para noticiar os “grandes empreendimentos” da governação. Sintomático é o facto do tempo de noticiário da manhã na RTP ser ocupado por um bom programa, gerido por não um funcionário, mas pago por todos nós. Grave é o facto do noticiário das nove da manhã da RDP ser a brincar com as notícias. Como se a realidade açoriana tivesse menos interesse do que a chacota sobre notícias passadas.
Por outro lado a Lusa tem os meios equivalentes a uma redacção de jornal e, embora seja em paga indirectamente por essas mesmas redacções, a verdade é que tem a segurança das verbas governamentais. E é assim que podem produzir muito o pouco, preocupar-se por tudo ou por coisa nenhuma. Pois sabem que têm a almofada do governo e a renda dos órgãos de comunicação social privados. E se a Lusa fizesse um acordo com as redacções dos órgãos privados para lhes fornecerem notícias? Mas os governantes preferem ter jornalistas mais ou menos controláveis em vez de se arriscarem na liberdade jornalística dos órgãos privados.
Além disso ainda existe o Gabinete de Apoio à Comunicação Social que tenta encher as páginas dos jornais e os tempos das rádios com os projectos e feitos, grandes ou pequenos, de quem nos governa. Já todos conhecemos a lenga-lenga: a ideia é anunciada cinco vezes, o projecto quatro, a adjudicação três, a primeira pedra duas vezes e a inauguração fica para próximo governo. Ao todo serão mais de dez jornalistas o que daria duas redacções. Mas, não contentes com isto, cada secretaria regional tem ainda um ou dois assessores de imprensa num total que rondará as vinte unidades.Grosso modo o Estado na Região tem uma capacidade de produção de notícias equivalente a dez redacções de jornal pagas por todos nós. Só que tende a haver repetição de notícias e muitas delas confundem-se com propaganda. O drama é que, com a votação registada na Assembleia Regional a favor do Promedia, o povo dos Açores através dos seus representantes, preferiu gastar os seus impostos na comunicação social controlada pelo Estado do que estimular a comunicação social com a diversidade redactorial de cada título e de cada jornalista. Foi isso que decidiram! É pena.

Editar

Para o mundo

Bill Emmott deixou de ser editor do Economist desde 31 de Março último e, como de costume, teve direito a duas páginas daquela revista global para reflectir, para se desculpar e para dar recados. Começa por expor que os objectivos da revista são o de promover o comércio livre e todas as formas de liberdade. Em nome do mercado defende a globalização e a eliminação das barreiras ao movimento de bens, de capital e de pessoas, com o que eu concordo. Em nome da defesa de todas as formas de liberdade argumenta a favor da democracia, no que tem o meu apoio, mas insiste, embora cada vez mais com mágoa e dúvida, em ser a favor das drogas leves, do aborto e da eutanásia, o que é manifestamente contra aquilo que eu e a União defendemos. De qualquer forma é uma revista com cunho e embora três quartos do que publica seja o relato de factos, um quarto da escrita é dedicada à defesa de argumentos pró ou contra alternativas de decisão política.
E é por isso que a revista se sente corresponsabilizada com a evolução do mundo, nomeadamente no que diz respeito ao desenvolvimento e à democracia. Bill Emmott relata com agrado o que foi acontecendo no mundo, desde 1993 até agora, naqueles dois aspectos: o produto per capita mundial aumentou 40% apesar da população ter crescido 18%; a pobreza reduziu-se de 1.2 mil milhões de pobres para menos de 1.0 mil milhões e espera-se que em 2015 se reduza a 650 milhões; o desemprego na OCDE baixou de 7.8% para 6.3%; e a população a viver em liberdade e democracia passou de 20% para 46% da população mundial desde 1993 até agora. É verdade que grande parte destas melhorias não resultam directamente da actuação do Economist mas o facto é que aquela revista participou, com muitos outros, nesse objectivo e alegra-se com os resultados. Mas também tem lamentos e dúvidas sobre aquilo que defendeu: quando não apoiou a intervenção na Bósnia e quando apoiou a intervenção no Iraque. E, à laia de recado, deixa alertas para o próximo editor: para que se lembre que as guerras do século XX se deram porque se parou o processo de globalização do início do século; para que não atenda à possibilidade de grupos terroristas ficarem na posse de armas de destruição maciça; e para que se atenda à propensão expansionista da China.

Para os Açores

Temos melhores exemplos de editores para além de Bill Emmott. Basta lembrar João Paulo II e as suas encíclicas, cujo impacto no mundo foi certamente mais marcante e permanente do que o daquela revista britânica.
No entanto o que importa reter neste texto é o cunho dado ao que se publica e a corresponsabilização com os resultados que se vão obtendo. Não tanto os resultados que se referem à subsistência do jornal ou da revista mas aqueles efeitos que se verificam na sociedade. Como o Economist sou pelo desenvolvimento e pela democracia. E como a administração da União tentamos ser a favor dos bem-aventurados. Queremos participar na promoção do desenvolvimento dando destaque aos seus agentes. Queremos promover a democracia e a melhoria da decisão política, questionando governos e oposições. Queremos participar na construção de um mundo mais justo e misericordioso exprimindo e expressando os gestos do amor de Deus e dos homens.
O problema é que o fazemos pouco e nos enganamos muitas vezes. Umas vezes falta-nos proximidade e vontade para dar destaque aos agentes do desenvolvimento. Outras vezes falta-nos saber e coragem para questionar os actos políticos. Muitas vezes falha-nos o desígnio e a vontade para exprimir e dar expressão aos gestos bons. Por ventura falta-nos o discernimento para entendermos os efeitos da nossa escrita.

Saturday, April 08, 2006

Domingo de Ramos

Domingo de Ramos é uma espécie de Festa da Juventude ou de Encontros de Jovens em Taizé. Faz então sentido que tenham partido hoje para aquela cidade ecuménica um grupo de jovens da Terceira. Grupo que se juntará a tantos outros, pequenos e grandes, provenientes da Europa e do Mundo. Também parecem consentâneos com o Domingo de Ramos os Encontros de Juventude que se realizam este fim de semana em São Mateus e em muitas outras paróquias da cristandade, para preparar as Jornadas de Juventude previstas para Sydney em 2008.Não há dúvida de que estas festas de juventude nos sensibilizam. Comovem-nos porque já nos marcaram nos tempos que éramos mais novos, quando desafinávamos com os ran rans de uma viola qualquer, ou nos surpreendíamos com o olhar bonito de uma cara que tínhamos por feia. Marcam-nos porque gostaríamos que o fizessem ainda hoje, num sinal, mesmo que fortuito, de que o Reino de Deus pode ser na Terra.E no entanto esse mesmo sinal é - nos trazido ao longo das celebrações da Páscoa onde só o conjunto formado pelos Ramos, pela Paixão, pela Morte, pela Ressurreição e pela vinda do Espírito Santo parece fazer sentido. Só que ficamos boqueados na Paixão e na Morte de Jesus e não temos grande força para nos espantarmos com a Ressurreição ou nos alegrarmos com a maravilha do Pentecostes. Nos Açores as festas do Espírito Santo trazem-nos, com alento, uma espécie de Domingo de Ramos do Novo Testamento mas a verdade é que não temos sabido transmitir a força desse Reino para o resto do ano e para o resto do mundo.E assim nos quedamos pela alienação do Domingo de Ramos. Por um lado ficamos com um vislumbre externo da alegria de um mundo melhor e mais feliz. Por outro lado sabemos que, na intimidade do nosso coração, há falhas e mágoas que nos impedem de transferir aquela alegria externa da festa para a sustentabilidade das festas internas de todos os dias. Ao fim e ao cabo falta-nos coragem para a passagem da paixão e da morte embora a vida nos vá ensinado que é “melhor enfrentar esse touro de caras em vez de ser agarrado pelas costas” sem preparação e sem sustento para aguentarmos e redimirmos a dor e o sofrimento.Também é verdade que, muitas vezes, vamos passando ao lado de tudo isto. Até sermos apanhados pelo espectro do sofrimento e da morte sem nos prepararmos para tal. Resta-nos a lembrança de alguns e a permanência institucional do calendário litúrgico. É bom que o atendamos em uníssono com grande parte do mundo. A festa dos ramos não nos dá a verdade toda mas dá-nos um passo importante para essa verdade e um vislumbre da alegria que ela trás.

Thursday, April 06, 2006

Promedia em debate

O debate sobre o Promedia está agendado para hoje na Assembleia LegislativaRegional. Como sabem o Promedia é o programa regional para a comunicação socialque prevê cortes nos subsídios à aquisição de papel, cortes nos apoios ao portepago e cortes nas comunicações telefónicas dos órgãos de comunicação social.Por outro lado redefinem-se os sistemas de apoios à modernização tecnológica,criam-se ajudas à formação profissional e prevê-se um apoio extra aos jornais erádios da ilhas mais pequenas. Os agentes que ganham ou perdem se esta políticade comunicação social for implementada são, genericamente, o governo, os órgãosde comunicação social e o público.O Governo fica a ganhar. Ganha porque gasta menos verbas a apoiar a comunicaçãosocial. Ganha porque as verbas que passa a gastar serão em grande partefinanciáveis por programas comunitários, que tendem a apoiar o investimento masa não financiar os gastos correntes. Julga ganhar porque, supostamente,conseguirá uma maior discricionaridade nos apoios dados, podendo facilmentefavorecer os jornais e rádios mais amigos do governo e desfavorecer aqueles quedefendem mais o interesse do público. Sintomaticamente é o que já vem fazendocolocando publicidade institucional nos jornais e rádios mais conformes edescurando as audiências e leitores dos restantes.Os órgãos de comunicação social como um todo perdem. Perdem porque o volume dosapoios correntes se reduz drasticamente. Perdem também porque, muitos dos quepretendem vir a ser agraciados com os parcos apoios ao investimento e àformação, terão tendência a publicitar mais os feitos e projectos do Governo doque a informarem o público sobre os feitos e defeitos da governação. Estou apressentir o recado que os responsáveis do governo que desde há anos se recusama publicitar na União darão aos responsáveis pela avaliação dos projectos demodernização e formação: “para esses não!”. Mas os órgãos de comunicação socialtambém perdem porque a instabilidade criada pela discricionaridade dos apoios doGoverno acabará por minar o ambiente que permite uma concorrência e cooperaçãosã e eficiente. É claro que o Governo trás o rebuçado do apoio aos órgãos decomunicação social das ilhas de coesão onde não há actualmente jornais e osúnicos jornais que passará a haver serão as folha publicitárias do Governo àmaneira das duas folhas do Gramcha que se publica em Cuba.Face ao dito o público também perde. Primeiro porque tenderá a haver um poucomenos informação independente nos jornais porque os custos de operaçãoaumentam. De facto não só a produção diária de notícias tenderá a diminuir comoa qualidade dessas notícias tenderá a ser pior porque mais subordinada àaprovação discricionária dos projectos de modernização apresentados ao Governo.Os órgãos de comunicação social prestam um serviço público importante e o apoiopúblico só se justifica porque existe essa externalidade positiva para asociedade. No entanto esse serviço público não pode ser aferido pelo Governonão só porque essa aferição tende, como vimos, a minar o próprio serviçopúblico mas também porque o papel impresso vendido no mercado é um indicadormelhor da quantidade e qualidade do serviço de informação. Os governos têm atentação de controlar a informação mas é bom que a Assembleia assuma o seupapel na defesa do público.

Wednesday, April 05, 2006

Cooperação e Competição

No desporto

São seis e meia de ontem. (Gosto desta ubiquidade temporal dos jornais). Dentro de pouco tempo o Benfica vai defrontar o Barcelona. O favorito é o Barça mas lá em casa e em muitas casas portuguesas torcem pelo Benfica. Se ganhar é uma alegria de algumas horas. Se perder é uma mágoa de alguns minutos.
Os jogos desportivos têm esta magnífica capacidade de tornarem absoluto cada momento mas, ao fazerem-no, acabam por esvaziar a relevância do passado e do futuro. A vida devia ser mais assim. Mais momentânea do que permanente. Mais aqui e agora, do que feita de memória e de planeamento. E como somos levados a viver com passado e futuro e sem presente gostamos de ver jogos que nos dão a importância de cada instante.
A outra grande lição dos jogos desportivos é que conciliam quase na perfeição a competição com a cooperação. Bastam meia dúzia de regras para que a luta de reminiscências paleolíticas para guardar um objecto precioso num qualquer resguardo, se transforme num espectáculo magnífico que cria sonhos nas crianças de favela e diverte milhões nos estádios e nas televisões.
O maravilhoso é que, em cada equipa, está bem definida a fronteira entre a cooperação e a competição. Os jogadores de uma equipa cooperam entre si para competirem com a equipa adversária. No entanto esses mesmo jogadores também competem uns com os outros para não ficarem no banco de suplentes e para serem chamados para equipas melhores. O segredo de tudo isto está na criação de regras claras que, quando não são respeitadas, degradam o jogo e reduzem o desempenho dos jogadores.

Na economia

O exemplo do desporto serve perfeitamente para a economia. Sabemos que o desenvolvimento regional resulta em grande parte da capacidade que as cidades, com os seus territórios, têm de competir entre si. Não tanto para atrair investimentos públicos como tem sido moda em Portugal, mas sim para vender os bens e serviços em que se especializaram nos mercados globais. O problema é que essa competição externa das cidades só é sustentável se, ao mesmo tempo, houver competição e cooperação interna. Dou-vos o exemplo do queijo de São Jorge. O queijo de São Jorge tornou-se competitivo porque cada uma das cooperativas conseguiu concorrer com as outras pela matéria prima mas também cooperar em torno da venda de um produto de marca comum. Quando os governos míopes querem concentrar tudo numa União de Cooperativas, para melhor controlarem e subjugarem os agentes locais, acabam por minar um dos requisitos essenciais à competitividade da ilha de São Jorge.
Mas o jogo de cooperação / competição que sustenta o bom futebol e o desenvolvimento regional não se limita à promoção da competição entre os factores produtivos (jogadores ou leite), e a cooperação em torno de produtos (golos ou queijo). De facto o outro factor essencial do desenvolvimento é a dinâmica do ganhar e do perder. Quando se ganha obtém-se uma margem extra para o investimento e para a inovação. Quando se perde ganha-se o saber dos erros cometidos e algum conhecimento que emana dos ganhadores.
É por isso muito importante criar regras de jogo que promovam a competição e a cooperação. O Governo fê-lo bem quando, em São Miguel, aumentou ao mesmo tempo a oferta turística através de apoio à construção de hotéis pois a competição entre eles permitiu reduzir o preço e manter os Açores relativamente competitivos em termos turísticos. O governo faz muito mal quando favorece empresas e entidades mais suas amigas pois, pretendendo fomentar a cooperação com as entidades suas amigas, acaba por minar a concorrência e a cooperação entre os agentes económicos que, esse sim, é promotor do desenvolvimento.

Tuesday, April 04, 2006

350 Milhas

O Navio Oceanográfico português escalou ontem no Molhe Militar da Praia da Vitória. Quando tive essa notícia há dias fiquei com a ideia que estariam nos Açores para estudar o projecto de alargamento da Zona Económica Exclusiva para as trezentas e cinquenta milhas. Um projecto arrojado que depende certamente do sucesso de várias actividades coordenadas. Em primeiro lugar a justificação perante terceiros de que aquela extensão é plausível e realizável. Em segundo lugar a efectiva utilização desse direito e dever. E, em terceiro lugar, a capacidade para fiscalizar uma área muito maior do que aquela que hoje temos dificuldade em gerir e controlar.

Justificação

Há pelo menos dois tipos de justificações para alargar a ZEE para as 350 milhas. Por um lado sabe-se que aquilo que não tem dono tem tendência a ser delapidado por todos. É isso que acontece na maior parte das pescarias sujeitas ao regime de livre acesso. É isso mesmo que acontecerá a todos os recursos que estejam nesse regime e que a tecnologia vá tendo cada vez mais facilidade de explorar. No início os lucros serão grandes mas à medida que todos tiverem possibilidade de o fazer essa vantagem reduzir-se-á para zero e os recursos chegarão ao fim. É assim que nos é explicado na teoria e é assim que verificamos na prática.
Por outro lado também se sabe que aquilo que está mais perto é normalmente mais fácil de gerir e de controlar. Faz assim sentido que o mar em torno dos Açores seja gerido e controlado pelas várias ilhas dos Açores com o apoio do Estado. Os Europeus, que não conhecem o mar a não ser do azul dos mapas, gostariam de o gerir a partir de Bruxelas. Mas todos já percebemos que o resultado seria a exploração extreme dos recursos por aqueles que melhor tecnologia tem no momento, para seu único benefício no curto e médio prazo e para malefício de todos no longo prazo, quando já não houvesse recursos exploráveis.

Efectiva utilização

Mas como é que queremos aumentar a ZEE para as 350 milhas se mal temos capacidade para gerir e controlar as 200 milhas a ponto de termos admitido por demissão que as 100 milhas nos eram suficientes? Não há nenhum problema que não tenha solução. Basta a admitir que os barcos possam vir pescar para os Açores desde que a descarga de pesca seja feita nos portos açorianos. Rapidamente alguns bascos e galegos passariam a vir para cá, a trazer as suas famílias, a empregarem pescadores açorianos e a integrarem-se na nossa vida colectiva. Ao fim e ao cabo os portugueses costumam ser muito bons na integração de estrangeiros que, ao fim de uma geração ou menos ainda, cantam o hino nacional com orgulho, participam nas romarias e nas festas e recriam a cultura que estes sítios permitem. Trata-se apenas de investimento estrangeiro e de transferência de tecnologia. É claro que os actuais pescadores dos Açores não iriam gostar no curto prazo, quando vissem barcos melhores descarregar peixe com menos custo. Mas rapidamente se adaptariam integrando-se nas suas armações ou adoptando e adaptando as metodologias. Uma coisa é certa. Se ficarmos com um bocado de mar para gerir e controlar e não o fizermos outros o farão por nós, e com um intuito de delapidação e não de gestão.

Capacidade para fiscalizar

Quando se fala de milhas fala-se sempre de fiscalização e do seu custo. O facto é que todos sabemos que a única fiscalização possível é a que é feita pelos próprios pescadores quando são em número suficiente e quando sabem que o recurso que gerem é deles. Só quem é dono é que cuida. Para isso de nada serve ter mais barcos patrulha e mais helicópteros que só servem para estimular a corrupção e gerar gastos inúteis. O que é preciso é barcos no mar mas barcos de pescadores que sejam capazes de fiscalizar o que lhes pertence. Depois basta um pouco de inteligência e um mínimo de meios para prover o estudo e a regulação.

Monday, April 03, 2006

O saber dos formatos que perduram

A mensagem contém uma informação que varia conforme o meio onde corre (McLuhan). Numa conversa de café a mensagem pode passar despercebida mas os supostos direitos de autor podem igualmente ser arrebatados por um qualquer interlocutor. Numa carta manuscrita o seu conteúdo passa da intimidade e posse de quem escreve para a intimidade e propriedade de quem lê. Numa conversa de telefone transferem-se sons ao longo das redes de telecomunicações mas a credibilidade necessária para que esses “ruídos” tenham “música” depende muito da confiança entre o receptor e o emissor. Uma carta impressa e assinada funciona de modo curioso pois tende a criar, a maior parte das vezes, um direito do lado do emissor e uma obrigação do lado do receptor. Já nos faxes é um pouco ao contrário pois é o receptor que fica com o poder do fax que lhe transmite o compromisso do emissor. Mas se já for publicidade o valor da mensagem passa a ser dado apenas pela apetência de quem lê. Por outro lado há novos meios cuja efectividade na transmissão de informação credível e com valor é ainda difícil de perceber: os correios electrónicos, os grunhidos transcritos no Messenger, os conteúdos terapêuticos dos Blogues, a escrita especializadíssima das mensagens de telemóvel, a diversidade de imagens e sons televisivos e por aí fora. O facto é que, naquilo que conta, tudo isto é real e não virtual. Ocorre no espaço e no tempo ou é pelo menos nessas dimensões bem reais que se reflecte e manifesta.
E o que conta, afinal, é o receptor e o emissor cujos formatos de recepção e de emissão são o início e o fim do meio que transporta os dados. Tudo o mais é fio de cobre ou feixe hertziano, fibra óptica ou cabo coaxial, papel ou rádio, televisão ou computador. Muito para além da tecnologia é necessário ir percebendo e ajustando os mecanismos de informação - decisão dos emissores e dos receptores. Os emissores recolhem e recebem dados que tratam e transmitem, fortemente condicionados pelos seus quadros de referência e pelas suas capacidades de emissão. Os receptores recebem os dados tratados e formatados pelos emissores, dão-lhes significados através do seu conhecimento e transformam-nos em decisões e actos tendo em atenção as suas capacidades, o contexto onde actuam e os seus objectivos. Em todo este circuito a preocupação fundamental do emissor é recolher e tratar dados tendo em atenção todas as capacidades da cadeia de valor a jusante: as suas capacidades de transmissão, a capacidade de percepção e de acção dos receptores e, para cada contexto, os seus objectivos alcançáveis. Isto para além da concorrência dos outros emissores que tentam substituir, complementar ou negar a informação que cada emissor vai veiculando.
A experiência dos jornalistas e a cultura dos jornais mais antigos como “a União”, o “Açoriano Oriental” e outros dos Açores, permitem competir e desenvolver com alguma sustentabilidade. Por vezes há limitações atávicas destes títulos antigos, como o facto do Açoriano ser “Oriental” e ter dificuldade em lançar-se para as outras ilhas, ou a característica da União ser um jornal da diocese e da sua tiragem tender a variar proporcionalmente com o número de católicos praticantes. Mas a verdade é que qualquer limitação é também uma potencialidade, dependente da perspectiva de onde é olhada. Na União queremos ser um instrumento evangelização do mundo que reportamos. E complementamo-nos bem com o mais antigo jornal do país.

Sunday, April 02, 2006

Desenvolver é Povoar

Desenvolver é povoar, e povoar é exportar. Pode-se resumir assim a pequena palestra que dei na passada quarta feira no Hotel do Caracol a convite do Clube dos Rotários de Angra. Não sou Rotário e muito provavelmente nunca virei a ser mas a imagem dos rótulos é a imagem das pessoas que os assumem e foi nesse pressuposto que pude dizer: “Se os rotários são vocês então são certamente uma coisa boa!”
Mas voltemos ao tema. Do que sabemos é que ilhas semelhantes do Canal da Mancha, têm cinquenta mil habitantes, quando são geridas por ingleses e cinco mil quando falam francês. As primeiras são desenvolvidas e atraem muitos emigrantes madeirenses. As segundas são subsidiadas e não atraem ninguém. Também conhecemos a história demográfica dos Açores e podemos estimar que teríamos agora meio milhão de habitantes, caso se tivesse mantido o modelo económico dos três primeiros séculos de povoamento e que voltou a aparecer na primeira metade do século XX. No entanto, com a estratégia de despovoamento e emigração do século XVIII e da segunda metade do século XX, a tendência dos Açores é ficar apenas com um pouco mais de cem mil habitantes. De facto é esse o cenário caso desapareçam as transferências públicas provenientes do Estado que nos chegam desde há trinta anos e que pararam artificialmente o ritmo de despovoamento.
Mas para que é que precisamos de mais gente? Duas razões para povoar. A primeira é que o envio de verbas do exterior tende a ser calibrada de acordo com a necessidade de povoar o que eles consideram fronteira. E com menos gente receberemos naturalmente menos verbas até que nos limitem a uma dúzia de faroleiros e umas tantas guarnições do exército; que para a marinha e força aérea o país não tem meios. A outra razão é que o desenvolvimento se faz com pessoas e não apenas com terras bonitas e dinheiro fácil. Basta olhar as ilhas que conhecemos para perceber que, por exemplo, se a Terceira tivesse a população de São Miguel aqui muito mais e mais diversas empresas. A ideia já vem de Adam Smith que disse que o desenvolvimento se faz pela especialização e que a especialização aumenta com a dimensão do mercado.

...e povoar é exportar

O problema é que o mercado das ilhas será sempre pequeno pelo que têm de se especializar e exportar para buscar noutras paragens a dimensão suficiente de mercado para que os seus recursos humanos, materiais e naturais possam ser competitivos. É assim que, paradoxalmente, a diversificação associada ao aumento do mercado local, resulta da especialização em exportações para o mercado global. Se apostarmos na diversificação contra a especialização acabamos por ficar com a pobreza e miséria própria das pequenas economias rurais viradas para si mesmas.
Mas como fazê-lo? Dois casos paradigmáticos. Um: na Base das Lajes temos mil empregados portugueses e a única preocupação dos políticos é que fiquem com direito à reforma sem qualquer preocupação com o emprego futuro. Imaginemos que a nossa estratégia é dar força às potencialidades logística das Lajes não só em termos militares esporádicos pelos mas também em termos regulares para voos civis. Se assim for passa a haver três mil empregos e a população da ilha Terceira cresce de 55 para 70 mil pessoas. Dois: na Ilha do Corvo há 10 pessoas ligadas à pesca. No entanto, com a melhoria do porto e direitos de pesca atribuídos à ilha e não à voracidade de estranhos, o número de pescadores passa para 36 e a população da ilha cresce de 440 para 600. Sabemos como se faz! Basta querer!