Wednesday, May 21, 2008

Autonomia ditatorial e colonial

A autonomia tem a ver com a capacidade de definirmos regras que, por um lado, condicionam o nosso comportamento mas que, por outro lado, potenciam a nossa liberdade e desenvolvimento. O pressuposto subjacente à autolimitação da liberdade inicial é que há acções do nosso comportamento que acabam por limitar não só essa liberdade e o desenvolvimento que lhe está associado mas também a liberdade e o desenvolvimento de todos.
Estes preceitos vão funcionando mais ou menos mas parecem fazer mais sentido em ambientes de proximidade como aquele que existe entre as pessoas, nas famílias, nos grupos de amigos, nas empresas e nos clubes. E isto porque, nesses pequenos grupos autoregulados, é possível mantermos a liberdade seminal de voltarmos a ser gente, de criarmos e reconstruirmos famílias, de escolhermos e alimentarmos amizades, de pertencermos ou de nos despedirmos de empresas, e de entrarmos e de sairmos de clubes.
No entanto, o sistema de autonomia e autoregulação é mais problemático quando os espaços são maiores, a ponto de nos condicionarem a liberdade de entrada e de saída, de contribuição e de manifestação. É assim que acontece nos espaços político-geográficos de regiões e de países. Nestes casos a saída de uma região ou país é sempre difícil e facilmente toma o nome de conceitos carregados de dor como são o de exclusão, exílio ou emigração. Por isso é dever elementar das autonomias regionais e das soberanias dos países a garantia de que os seus cidadãos sejam em si mesmos autónomos e soberanos, que é outra forma de dizer que lhes seja dada capacidade de se desenvolverem em liberdade.
É nesta perspectiva que importa questionar a autonomia regional existente nos Açores e o governo que a gere. Será que está a fomentar a capacidade de cada um dos açorianos de se desenvolver em liberdade? Para alguns deles, talvez nem se façam esta pergunta bastando-lhes as palmas dos recebedores de benesses e de subsídios. Mas como a recepção de benesses e de subsídios raramente é sinónimo de promoção da capacidade de desenvolvimento em liberdade é importante retomar a questão, clarificando-a: Quais as facetas ditatoriais do actual governo dos Açores?
Sinais de ditadura já começa a haver alguns.
Primeiro, é cada vez mais patente que a alternancia democrática nos regimes autonómicos é muito menos garantida do que a nível nacional. Na verdade, o governo que está no poder é mais louvado pelas verbas que consegue obter de fora do que pela boa gestão que faz das verbas pagas pelos contribuintes das ilhas, isto mesmo quando as verbas que se obtem de fora são conseguidas pela venda das capacidades do mar e da terra.
Segundo, é visível o crescente isolamento a que os habitantes das ilhas estão sujeitos, fruto da política míope do governo nos transportes aéreos e marítimos. As ditaduras são um pouco assim quando dificultam a saída dos residentes mas não se importam de favorecer a vinda de visitantes para observação de indígenas.
Terceiro, e o que não deixa de ser problemático, a Universidade, que no consulado ditatorial de Mota Amaral foi, sobretudo em Angra, um pequeno foco de opinião livre quando deixou de ter a tutela regional, corre agora o risco de ficar de novo sobre a alçada do governo regional comprometendo-se assim a sua função de criação e divulgação de saber, uma vez que esse saber fica condicionado aos medos que os governantes costumam ter sobre as verdades que não gostam de ouvir.
Finalmente, como o poder e a maioria da população está cada vez mais concentrada numa cidade, todo o arquipélago corre o risco de vir a sofrer de uma ditadura de cariz colonial. Não é nada de que não tenhamos memória.

Os impérios fazem-se com traições

Os impérios fazem-se com traições. Traições que tem muito a ver sobre a reafectação dos direitos sobre pessoas e os sítios. No entanto essas mesmas traições são também as sementes que precipitam a queda dos impérios, não tanto pela reacção das pessoas e dos sítios traídos mas pela inconsistência entre os novos direitos criados e a vocação restringida das pessoas e dos sítios.
Bom seria que não houvesse traições e que os espaços alargados não destruissem o saber acumulado nas pessoas e nos seus sítios. Mas sempre houve traidores capazes de vender direitos naturais e humanos por trinta dinheiros ou por meia dúzia de anos de poder. Muitos deles dirão que não tinham possibilidade de fazer diferente; muitos deles reinventam princípios que os autodesculpam. Princípios de traição, do género de que “é preciso colaborar com o inevitável”, ou de que “é a vida”, ou mais comum, de que “a culpa não é deles mas do sistema”. Vendo bem todos vamos sendo um pouco traidores. A única diferença é entre os que dão por isso, têm pena tentam melhorar, e aqueles que fazem por não dar por isso sustentados no suposto “inevitável”, na enfadonha “vidinha” ou no omnipresente “sistema”.
Falo-vos disto por causa da criação do Império Europeu. Concretamente quero rflectir sobre o Tratado Reformador Europeu ratificado ontem sem honra e sem glória pelo Parlamento Nacional. A traição subjacente a esta ratificação é bem concreta. Trata-se de transferir para a União Europeia toda a biodiversidade marinha existente no Mar que era português.
Numa altura em que todo o mundo se preocupa em valorar a biodiversidade marinha porque entende a sua função como fornecedor de recursos, garante de vida, regulador do clima, sequestrador de carbono, produtor de oxigénio e factor de resiliência dos ecossistemas, os nossos políticos passam todo este valor e a responsabilidade de gestão para as mãos de uns burocratas de Bruxelas e para as mentes de pessoas para quem a biodiversidade nunca teve a ver com as suas vidas e os com os seus saberes. A traição dos políticos portugueses é má por várias razões: - primeiro, porque troca aquilo que não lhes pertence por mais uns fundos comunitários conjunturais transferidos para financiarem acções de campanha eleitoral; segundo, porque sendo a gestão longínqua pior do que a gestão de proximidade, não parece que a transferência de recursos para a Europa seja garantia da sua gestão sustentável; terceiro porque, não assumindo o âmbito e a responsabilidade da sua traição, os políticos da traição acabam por precipitar de facto o fim da construção europeia cuja vocação sustentável nunca teve a ver com a venda abusiva e criminosa de direitos de propriedade, mas sim com a construção da paz e com a criação de um espaço alargado para o movimento livre de bens, de serviços, de pessoas e de meios financeiros.
O caso é grave porque os nazis e napoleónicos que sonham com a construção do Império Europeu, ou aqueles muitos que são capazes de trair para que aquela enormidade se consubstancie e, a prazo, se destrua, são os mesmos que se recusam a pensar e a fazer pensar. Onde está a investigação sobre a criação do Império Europeu? Onde estão os estudos sobre os efeitos da transferência para Bruxelas da gestão exclusiva da biodiversidade marinha?
Todos os dias nos damos conta dos desastres criados pelo facto de Bruxelas controlar os direitos de propriedade da terra. Os preços dos produtos agrícolas sobem e o mundo passa fome porque aqueles que têm capacidade para produzir são impedidos de o fazer. As zonas de mato natural são arroteadas porque uma lei estúpida de encabeçamento uniformizado, feita paradoxalmente em nome do ambiente, leva os agricultores a arrotearem mais terras. Os países pobres não podem produzir bens agrícola porque os europeus protegem produções ineficientes e por aí fora. Se isto são alguns dos desastres que vemos na gestão da terra quantos estaremos para ver associados à gestão do mar de Bruxelas!?

Liderar é arriscar

Nos próximos dias 2 a 6 de Junho vai realizar-se no Hotel Terceira Mar em Angra do Heroísmo o Curso “Liderança para o Século XXI” promovido pela Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento e da responsabilidade da Harvard Kennedy School. Em 1999 participei num curso um pouco mais longo da Harvard Kennedy School sobre economia dos recursos naturais em Boston e gostei muito. Foi caro mas valeu a pena. Desta vez a melhor escola do mundo vai estar aqui ao lado; decidi inscrever-me no curso e estimulei outros colegas do Gabinete de Gestão e Conservação da Natureza a fazerem-no igualmente. Não é de forma nenhuma tão caro como seria em Harvard mas mesmo assim é bem diferente de alguns cursos de formação que existem pelos Açores em que os formandos recebem dinheiro e comida para estarem presentes.
Já nos mandaram o programa, um ensaio para entregarmos até ao dia 26 de Maio e um livro para lermos presumívelmente enquanto fazemos os ensaio. O livro, de Ronald A. Heifetz e Marty Linsky tem o título de “Liderança no Fio da Navalha, como manter-se vivo nos perigos da liderança”. Os três primeiros capítulos, que são aqueles que consegui ler ao fim das duas últimas tardes, trazem ideias novas que vão contra o senso comum e fazem-nos pensar sobre a nossa postura face a quem dirigimos e face à atitude de quem nos dirige.
Assinalei algumas frases destes três primeiros capítulos do livro: “O exercício da liderança pode-nos criar muitos problemas”, “O que nos é dado para liderar é o nosso conhecimento, a nossa experiência, os nossos valores, a nossa presença, o nosso coração e a nossa sabedoria”, “As pessoas que lideramos não resistem à mudança (como muitas vezes pensamos), mas resistem à perspectiva de perda”, “A traição à liderança vem muitas vezes do sítios e de pessoas que não esperamos”, “A personalização da liderança cria marginalização” e outras frases do género. Também são referidas algumas histórias de liderança. Uma em que duas índias que demoraram dez anos para fazer com que os índios da sua reserva começassem a beber menos alcool. Outra de Isaac Rabin que morreu assassinado por um israelita extremista. O erro de Martin Lutter King que se desviou do seu objectivo na luta pelos direitos humanos para contestar a guerra do Vietnam, e por aí fora. No fundo a imagem que nos dão de líderes tem mais a ver com a ideia que fazemos dos santos do que com o conceito que vamos tendo de autoridades cinzentas, agarradas ao poder, sem rasgo e sem vontade de mudarem seja o que for.
Curiosamente, ao mesmo tempo que estou a ler este livro sobre liderança, caiu na minha secretária uma publicação do Partido Socialista Regional intitulado “Açores, Ilhas de Futuro”. Foi distribuído numa espécie de Estados Gerais que se realizaram na Terceira há dias e no qual terão participado uns tantos jovens desenganados mais uns outros laranjitas com saudades do poder que sonharam enquanto jovens certamente desenganados. Se o futuro é o que que ali se apresenta não o quero nem mesmo para os socialistas ou laranginhas arrependidos que desenvolveram e acataram aquelas ideias. Primeiro porque se trata de um programa cinzento para pedir fundos à União Europeia. Depois porque não tem uma única ideia nova e não identifica um problema sério. Em suma, pegando nas ideias do livro sobre liderança, não muda nada e não arrisca coisa nenhuma. Lá estão as palavras chave que Bruxelas gosta de ouvir: o ambiente, a sociedade de informação e mais outros conceitos que o poder deturpa. Mas as acções concretas e os efeitos esperados não indiciam qualquer esperança de mudança. Só, talvez, a garantia de que, pelo menos até 2013, ainda vai chegar algum dinheirinho pela venda do mar, da terra, da localização e das gentes, que é isso afinal o que vamos tendo.
Percebe-se porquê. Nenhum dos que escreveram, assumiram ou ouviram o dito texto “Açores, Ilhas de Futuro” querem arriscar seja o que for. É pena que embora os líderes não devam ser medrosos a verdade é que os dirigentes de governos que tendem a ser ditatoriais e coloniais tendem facilmente a sê-lo. E o medo com poder é uma chatice cinzenta e amorfa que degrada as pessoas e os sítios.