Tuesday, December 30, 2008

2009

2009 é um ano de esperança. Esperança que a crise financeira e económica internacional não precipite crises políticas e bélicas mais graves. Esperança que os caminhos que escolhemos durante a crise conduzam a uma sociedade mais eficiente, equitativa e sustentável do que aquela em que agora vivemos.
Nesta perspectiva a esperança está fortemente associada à fé. Fé de que é possível fazer uma sociedade mais eficiente, equitativa e sustentável; onde os entendimentos, os gestos, os frutos e os sentimentos sejam mais consentâneos porque mais verdadeiros.
E é assim que a esperança e a fé têm de ser necessariamente completadas pelo gesto. Gesto que, conforme nos foram ensinando e gradualmente fomos percebendo, é muito mais profícuo quando é feito para os outros, com multiplicação de frutos e partilha de sentimentos.
Não há dúvida de que é bom olhar o ano que vem com o sopro do Natal. Natal em que adoramos a vida representada na Árvore de Natal, rejubilamos com a graça do Pai Natal e que, sobretudo, nos revolucionamos com o Encontro com o Menino Jesus. E essa revolução tem que ver necessariamente com os gestos que pensamos para o presente – futuro que é o ano de 2009.
Vamos por partes. Temos que cuidar do corpo e da alma. Temos também que atender ao trabalho e à família. Finalmente convém atender a todos os outros. É verdade que tudo isto se complementa e completa; mas tal não impede alguma programação sistematizada de acções. Uma espécie de Plano de Actividades para 2009 que não só nos comprometa face aos outros e face a nós mesmos mas também sirva para a criação dos tais caminhos que nos conduzem a uma sociedade mais eficiente, equitativa e sustentável.
Quanto ao corpo não é mau seguir o exemplo desses desportistas multifuncionais que os tempos actuais nos presenteiam. Bastam uns sapatos confortáveis e baratos “made in China” e todos os percursos passam a ser percorríveis para bem do corpo de também da alma. Há quem ande e corra parado em máquinas concebidas para países frios mas qualquer que seja o desporto o segredo é manter uma rotina e, de vez em quando, suscitar o desafio de uma competição amigável.
No que se refere à alma temos de ir rapidamente comprar um terço para pôr no bolso e escolher uma missa agradável para ir ao domingo. No fundo temos que criar condições para dizermos “que bom que é estar aqui” na presença do Senhor, para ouvirmos e reflectirmos sobre a sua palavra. É pena que haja menos gente a ir à missa pois é uma oportunidade única de estarem com Nosso Senhor.
Quanto ao trabalho parece mais eficiente criarmos metas e auto regularmos normas de conduta. Há vantagens óbvias. Primeiro passamos a definir grande parte do nosso próprio trabalho em vez de ser um chefe qualquer a tentar impô-lo. Segundo, aqueles que beneficiam do nosso esforço, e in extremis no pagam o nosso ordenado, passam a usufruir de um trabalho normal acrescido de uma montanha de dádiva personalizada.
A família e os amigos “não são para aqui chamados”, poderiam dizer os mais correctos. Mas é também por causa dessas e de outras que a família e a amizade deixou de fazer parte dos pressupostos da intervenção pública sendo facilmente perturbada por sistemas sucedâneos de fraternidades mafiosas, por mecanismos propiciadores de “espécies invasoras” tais como os condomínios para encontros fortuitos ou apartamentos para expulsão de filhos e parentes; ou por sistemas regulamentares incitadores de divórcios, proteladores de casamentos e por aí fora. A solução é invadir os apartamentos minúsculos de parentes e amigos em todas as partes do mundo; equilibrar a relação entre mensagens de telemóveis e emails com os encontros pessoais; pôr a mesa e prolongar as refeições que permitem a conversa;… Tudo isto são coisas que os portugueses sabem fazer como ninguém mas há muitos estrangeirados e estrangeirismos impulsionadores das “fast families” que não dão tempo ao tempo bom.
Finalmente, face aos outros, é fundamental ajustar o sistema de decisão política aos novos desafios e, sendo assim, ou o PS e o PSD mudam radicalmente ou então é bom que sejam substituídos por outra gente e por outro pensar. Pelo sim pelo não, o melhor é alterar os partidos do Bloco Central e ao mesmo tempo fomentar os que para aí estão a aparecer. É também essencial mandar parentes e fazer amigos em Angola, dar força ao Brasil na cena internacional, nutrir o crescimento de Timor, da Guiné, de Moçambique e São Tomé sem esquecer, a nossa presença crucial e histórica na América, na China, na Índia e na Europa.
Se assim for, em Setembro de 2009 já vemos muita luz e muito caminho para percorrer. Pelo menos é isso que os cracks de economia me dizem.

Jornalismo, Romance e Realidade

Passei há dias na União para pagar a assinatura do ano de 2009. Gostei de ver os meus antigos colegas e não deixei de registar o recado de fazer um artigo a dizer bem dos jornalistas e sobretudo a dizer bem do jornal onde trabalham.
Não é difícil louvar o jornal a União. De facto está bem melhor do que quando o deixei, talvez porque quem escreve está mais liberto dos comentários do antigo “directório”, muito provavelmente porque há uma direcção mais efectiva; muitos parabéns! É com gosto que compro, por um ano, o acesso a um dos melhores jornais de Portugal, colocado todas as manhãs na minha caixa de correio. Muitos outros deveriam assinar os jornais dos Açores pois é a forma de tornar esses jornais melhores e sobretudo de os tornar menos dependentes das notas de imprensa emanadas pelas redacções de propaganda governamental.
Um pouco mais difícil é dizer bem dos jornalistas. É verdade que tem uma capacidade apurada para escrever bem, nomeadamente agora que os computadores corrigem muitos erros. É também reconhecível a sua enorme capacidade para relatarem aquilo que as pessoas gostam de ler, embora por muitas vezes as testemunhas presenciais fiquem escandalizados com a diferença entre aquilo que viram e aquilo que vem relatado nos jornais. É igualmente fantástica a sua enorme capacidade de trabalho não só na forma como aturam e procuram as fontes mas também pela sabedoria e tecnicidade com que multiplicam texto.
Talvez por isso é que os jornalistas mais afoitos decidem fazer romances e com um enorme sucesso. Miguel Sousa Tavares e José Rodrigues dos Santos batem em número de vendas muitos romancistas conhecidos e não precisam de muito mais do que alguma ousadia; aquilo que muitos apelidariam de um misto de falta de vergonha com algum talento. Depois será preciso um pouco de persistência no trabalho, mas cuja esperançosa efectividade se potencia nos bons contactos ganhos com o jornalismo. Finalmente basta uma boa história que glorifique os portugueses e denigra o Estado, com algumas páginas de informação adicional que não contradigam muito aquilo que já sabemos. Ajuda também uma ou duas páginas de sexo para que o livro seja transponível para o cinema. E, à boa moda jornalística, convém apresentar as coisas no domínio do politicamente correcto, “santificando” personagens e ignorando a Igreja.
Espantei-me a mim próprio quando li as quinhentas páginas da “Fórmula de Deus” nos dias que se seguiram ao Natal. Primeiro, consegui ultrapassar o excesso de adjectivação com que José Rodrigues dos Santos gosta de imitar os ingleses e que nos fazem lembrar os velhos livros dos “cinco” e dos “sete” de Enid Blyton. (Francamente! qual é o português que adjectiva positivamente o tempo, a comida ou as pessoas? Para nós, que estamos habituados a bom tempo, boa comida e boas pessoas, só sabemos adjectivar negativamente e quando o fazemos raramente é por escrito). De seguida animei-me com a figura do herói português que ainda por cima tem o meu nome, trabalha na Universidade e aventura-se pelo Irão e pelo Tibet. Finalmente percorri com gosto a prova científica da existência de Deus que, conforme relata o autor, criou o Universo em seis dias só que contabilizados para uma massa enorme, para a qual um dia de então seriam muitos milhões de anos agora. E nesse pressuposto gostei de saber que todo o Universo é feito para a vida e para o Homem.
Do que gostei menos, no final, foi de José Rodrigues dos Santos não querer cair na realidade de Deus, na sua encarnação em Jesus Cristo. Isto apesar de colocar nas últimas palavras do pai do herói que o que importa é o amor. No entanto também diz através do tal pai que o hinduísmo é que tem razão. Neste pormenor José é mesmo jornalista. E em vez de dizer o que acredita ser o real, prefere descrever o que a sua imaginária fonte lhe disse. Que pena!... Vendeu mais 100000 livros mas não revelou a verdade.

Tuesday, December 16, 2008

Oportunidades dos Açores na Crise Mundial

Sabemos que as crises são momentos únicos de oportunidade. É nas crises que pequenas decisões moldam grandes trajectórias que aumentam o espaço de liberdade de criar e de ser. No entanto essas trajectórias não são solitárias pois dependem e influenciam os percursos das pessoas com quem interagem. E como esta interacção é muito marcada pela geografia e pela história é salutar, para nós e para os outros, que nos preocupemos com as atitudes e os gestos dos açorianos neste momento ímpar de oportunidade.
Já percebemos que a crise financeira e económica internacional tem a ver com a desadequação da regulação monetária face ao sistema financeiro possibilitado pelas novas tecnologias da informação. Já entendemos que o colapso entre o virtual financeiro e o real económico começou pela desvalorização efectiva do imobiliário precipitada pelo aumento do preço do petróleo e possibilitada por um urbanismo baseado no automóvel. Também desconfiamos que se está a verificar um encontro brusco entre o virtual ocidental e o real das novas economias emergentes na China e na Índia.
Os impactos e as reacções à crise também começam a definir-se. Por um lado a oferta de petróleo aumentou e a procura diminuiu o que resultou numa redução do preço do petróleo para valores mais altos do que há dois anos mas mais razoáveis do que durante este ano. Por outro lado a redução abrupta da velocidade de circulação de moeda, provocada pelo crescimento da desconfiança entre agentes económicos, justificou o aumento da oferta de moeda conseguida quer pela nacionalização de bancos quer pela redução da taxa de juro dos bancos centrais.
Também nos Açores os impactos se fazem sentir. A alteração rápida dos preços dos produtos e dos factores produtivos vai influenciar fortemente a competitividade dos nossos principais bens e serviços: o preço do leite está a baixar depois de ter crescido para níveis impensáveis um ano antes; a procura turística irá provavelmente reduzir-se apesar do custo do transporte poder vir a ter um custo um pouco mais barato dentro do espaço da regulação monopolística; os bancos estão muito preocupados com a segurança de todo o sistema financeiro; e a própria administração não sabe o que a espera face a tantas incertezas.
Mas, como vos disse, é preciso aproveitar este momento único de oportunidade para reagir mudando a trajectória do desenvolvimento dos Açores. No caso dos lacticínios pode valer a pena para os actores públicos e privados da Região adquirirem as empresas da cadeia de valor que desde 1994 tem sido controlada por elementos alheios à Região: porque não adquirir essas empresas exactamente na altura onde o seu preço deve estar a preço de saldo? A única coisa que é preciso garantir é uma boa gestão mas isso também é um recurso que se adquire com facilidade. No caso do turismo vale certamente a pena liberalizar os transportes aéreos para São Miguel e para a Terceira e apostar na SATA como uma low cost a operar a partir do meio do Atlântico, entre a América e o Médio Oriente, entre a Europa e as Caraíbas e entre a África e os Estados Unidos. Quanto ao sistema financeiro não é impensável atrair para a Região os capitais certos de forma a substituir ou compensar a centralidade financeira da Suíça agora fortemente ameaçada pela quebra das bolsas internacionais onde os suíços teriam certamente muitas aplicações. Finalmente, no que respeita à administração regional, é fundamental reequacionar os investimentos em estradas que assumem que os açorianos vão adoptar a mobilidade urbana que os americanos tinham até ao momento.

O Estado Novo está instalado!

O Governo Regional dos Açores tomou posse por estes dias. Não há dúvida que há mudanças significativas mas essas alterações apenas confirmam, para o bem e para o mal, a forte resiliência da sociedade açoriana. Grosso modo as gentes que apoiaram e aproveitaram do consulado de Mota Amaral são as mesmas que apoiam e aproveitam do consulado de Carlos César. Pelo meio ficam as ideias consistentes que suportam modelos de desenvolvimento consequentes. Para trás fica a possibilidade de investimento no futuro já que a associação entre apoiantes e beneficiados anula qualquer sacrifício em favor de todos e dos que estão para vir. Confirma-se a mensagem de José Tomaz de Lampedusa no seu romance o Leopardo: “É preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma!”
Em Lampedusa, o Príncipe de Salina é apresentado como um herói que colabora com o fluir dos tempos para que o seu poder se mantenha na mesma. No entanto, se olharmos para o deserdado Mezzogiorno Italiano, intuímos o custo enorme da traição conivente do príncipe e interrogamo-nos sobre as razões que justificam o fortalecimento da Mafia e do subdesenvolvimento do Sul de Itália. A hipótese que levanto, e que se aplica também a Portugal, é que os países definham quando as suas supostas elites não são capazes de ao mesmo tempo promover e confrontar o fluir dos tempos, preferindo adaptar-se a esses tempos pouco temperados, para que continuem a sobre-nadar numa paz mole.
Se compararmos o consulado de Mota Amaral com o consulado de Carlos César as semelhanças são por demais evidentes. Há uma primeira fase de entusiasmo (1976/1986 para o PSD e 1996/2006 para o PS) com muita gente nova e diversa e com bons apoios do exterior. Há depois uma segunda fase de centralização com mais gente nova mas mais submissa e com menos suporte externo (1986/1996 para o PSD e 2006/201? para o PS). Até que o ciclo se esgota com o desânimo de uns tantos, se assiste à fuga do chefe tradicional e se constata morte súbita e precoce de uma geração de políticos repentinamente abandonados pelas elites mutantes. Pelo caminho ficaram algumas duas décadas de políticas desajustadas que os sistemas de poder centralizados rodeados de súbditos acabam por gerar na segunda fase dos respectivos consulados.
Olhando para o novo Governo verificamos que por razões várias desapareceram os políticos verdadeiramente socialistas. Carlos Corvelo faleceu e com a sua morte terá desaparecido o mentor ideológico do regime. Duarte Ponte foi afastado e com esse afastamento acabou o operacional da criação da economia socialista nas ilhas. A simpatia de Carlos Corvelo alegrava-se mais quando manuseava modelos de avaliação de projectos que deixavam de lado as técnicas enraizadas no pensamento neo-clássico e apresentava com gosto o modelo input-output tão útil às economias de planeamento centralizado. Por outro lado, a boa disposição de Duarte Ponte, ficava mais activa quando se sentia qual “grande timoneiro” moldando os principais sectores da economia regional: os transportes e a energia.
É verdade que considero que o modelo de desenvolvimento de Duarte Ponte e de Carlos Corvelo está profundamente errado e que tem trazido custos grandes à Região. Nomeadamente a não liberalização dos transportes aéreos e marítimos e a troca de direitos de exploração de recursos do mar e da terra por programas de apoio às despesas públicas regionais por parte da Europa. No entanto era um modelo coerente dentro da óptica socialista que defendiam. O que nos espera é o anti modelo ou, quando muito, o ajustamento tecnocrático dentro de um modelo socialista que nem se enxerga. No fundo um esquema que mantém as desigualdades sociais e não promove o desenvolvimento e o risco. O Estado Novo está instalado!

A Festa das Cigarras

Já demos por isso. Os eleitores açorianos são um bocadinho “maria vai com as outras”. Quando o PSD está no poder votam PSD até que o chefe se vá embora, não vá o diabo tecê-las. Quando o PS Governa o melhor é não levantar muitas ondas e manter as coisas como estão, também até o chefe se ir embora; “sabemos onde estamos, não sabemos para onde vamos”, é isso que expressam alguns com um ar meio esguio e matreiro de quem há muito tempo optou por ser discreto e umbilical em vez de ser inteligente e ousado como os que partiram para o outro lado do mar.
No entanto nos Açores a terra e o mar também votam quando as gentes parecem ter esquecido de onde são, e preferem voar aos sons dos ventos de fora que trazem mais fortuna momentânea. Se a América dizia que era assim então para quê dizer o contrário. Se, agora, a Europa diz que é assado que remédio nos resta se não acatar o que dizem de Bruxelas e ainda pagam? O problema, ou a sorte, é que o mar e a terra não se calam sobretudo neste ponto particularmente sensível do Planeta.
Em Angra do Heroísmo lembraram-se de que eram os maiores e os melhores a organizar e celebrar festas e festividades. E como havia um dinheirinho europeu de semente, vá de organizar mais festas e festivais com nome de cultura, fazer barulho à fartazana, acabar com o porto que justificou a cidade para fazer bares e restaurantes de anti-civilização, e descurar aquilo que é a base de qualquer cidade insular: o abastecimento de água e o porto que, desde há cinco séculos, iam estruturando o desenho urbano desta cidade que escolhemos para viver.
Esqueceram-se, os seguidores da Cigarra, que a cidade começa nos cumes das Serras do Morião, do Pico Alto e de Santa Bárbara e termina nos termos das rotas que demandam Angra, do outro lado do mar. E, de repente, a água deixou de correr nos tubos e passou a faltar nos reservatórios. De, repente, a cidade ficou vazia porque quinhentos empregos foram mudando para o novo porto construído na Praia, ficando Angra como armazém para barcos de recreio. De repente – “virá que eu vi” – o governo subsidiado do exterior deixará de ter dinheiro para pagar os funcionários regionais da cidade que, in extremis, se transformará no Topo da Ilha Terceira, cheio de história e de ruína, sem água e sem porto, sem vocação e sem sentido. Aconteceu a outras cidades que foram importantes, nessas ilhas aí para fora – como dizia um sabedor micaelense. Sobretudo quando se esqueceram do saber da água que lhes dava raízes e do porto que lhes dava sentido. Tudo no meio de muita festa e de muita obra de fachada dos últimos dias.
Mas as ilhas relativamente pequenas têm felizmente estes alertas ambientais, mesmo quando as gentes se esquecem das raízes que têm e do sentido para que foram criados. E é assim que quem se vai encarregar de derrotar o poder estabelecido não é uma oposição que pouco tem de diferente mas sim a falta de água, a degradação da paisagem, a degradação da cultura e a anulação do porto.
Quando percebermos que não temos água porque deixámos fazer rebentamentos em pedreiras, porque não pagámos a alguns lavradores para produzirem água em vez de produzirem leite e carne, porque não cuidámos com o peso dos camiões das obras a pisar condutas, porque não tivemos coragem de controlar a procura através do preço, porque vivemos à conta das obras de outros tempos, porque chamámos um supostos peritos de fora para palrar na comunicação social, porque anunciámos restituições de verbas sem resolver o problemas. Quando percebermos isso tudo, dizia, nem teremos força para culpar alguém. A culpa é nossa – formigas discretas e umbilicais - que nos deixámos enredar na Festa das Cigarras.

Transporte Aéreo - explorar conterrâneos ou competir com o mundo

A estratégia das empresas com concessões monopolistas no transporte aéreo em Portugal é explorar os portugueses com tarifas aéreas e taxas aeroportuárias significativamente mais elevadas do que as que se verificam em mercados concorrenciais. A estratégia das empresas similares em Espanha é competirem no mundo com tarifas e taxas baixas mesmo quando estas são sub-repticiamente apoiadas pelo estado espanhol. Na verdade, a comparação entre as tarifas aéreas e taxas aeroportuárias portuguesas e espanholas permite concluir que em Portugal são sistematicamente mais elevadas tornando as rotas espanholas efectivamente mais competitivas que as rotas que passam por Portugal. Isto para além de haver um custo extra para os residentes que queiram utilizar o transporte aéreo pois têm de suportar as ineficiências de gestão nos aeroportos e nas companhias aéreas monopolistas. Tudo isto porque os Governos da Região Autónoma dos Açores e de Portugal entendem que a política aérea se faz pela gestão de empresas, estatais ou privatizadas com antigos membros do governo, a quem se concedem monopólios e não pela regulação de mercados procurando assegurar a concorrência e a eficiência.
Esta foi uma das lições que aprendi no workshop que decorreu no Instituto Superior Técnico na passada sexta-feira por iniciativa da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional (APDR) e do Grupo de Transportes.
Ainda sobre regulação consequente de companhias aéreas e de aeroportos o bom exemplo parece vir da Madeira onde se percebeu que não bastava a liberalização dos transportes aéreos mantendo as práticas monopolistas das empresas gestoras de aeroportos e se adoptou uma estratégia negocial com as empresas low-cost para que pudessem voar para aquele arquipélago reduzindo as tarifas aéreas e aumentando o fluxo de tráfego. Na verdade, como também pudemos perceber pelo testemunho dos madeirenses no workshop, de pouco serviu o aumento da pista conseguido por volta do ano 2000, pois o tráfego não aumenta pelo crescimento da pista mas sim pela redução das tarifas aéreas e taxas aeroportuárias.
O workshop abordou outros temas como low costs, taxas e organização de aeroportos. O impacto das low-cost na alteração do mapa aeroportuário Europeu consubstancia-se na substituição dos voos charter por voos low-cost, na redução da sazonalidade turística e na potenciação das segundas residências no sul da Europa. Sobre taxas provou-se, como acima é dito, que as taxas aeroportuárias portuguesas são sempre mais caras que as espanholas e que isso é permitido pela intervenção activa dos governos que objectivamente nos exploram. Sobre a organização de aeroportos defendeu-se que não basta construir as pistas e as aerogares mas que é necessário atender às acessibilidades complementares, ao ordenamento estratégico, participado e flexível do espaço e, manifestamente, ao sistema de regulação dos aeroportos e das companhias aéreas.
Neste sentido vale a pena reflectir se a rede de transportes aéreos deve ser desenhada centralmente, como até agora, ou pode resultar da iniciativa de cada cidade ou ilha na sua tentativa de se ligar ao exterior para promoção da sua competitividade e desenvolvimento. Uma coisa é certa: um Aeroporto na Região Centro não se justifica numa óptica nacional se forem criadas acessibilidades rodo - ferroviárias mas pode-se justificar numa óptica regional se os vários interessados em Coimbra, Figueira, Leiria, e Fátima assim quiserem investigar e, eventualmente, investir. Igualmente, o alargamento do aeroporto do Pico ou do Faial pode não fazer sentido na perspectiva do Governo de São Miguel mas fazer todo o sentido na estratégia de desenvolvimento turístico destas ilhas. Para isso o paradigma do planeamento centralizado tem de ser mudado para um sistema em que os aeroportos e as suas ilhas competem entre si para melhorar a eficiência de todos e o desenvolvimento das pessoas em todos os sítios.

Até que os desvinculados se revoltem…

A situação económica em Portugal já era grave antes da crise económica e financeira internacional. No entanto, como o combate à crise está a passar pelo aumento dos gastos públicos para salvar bancos e governos, corremos o sério risco de não enfrentar as causas da crise portuguesa e da crise internacional e acabarmos por ficar bastante pior do que poderíamos vir a estar se a verdade fosse perscrutada e enfrentada.
A crise económica portuguesa tem a ver com a falta de produtividade do Estado e com a incapacidade de muitos empresários competirem no mercado global da Europa, da América, da Índia e da China. A crise económica e financeira global é devida ao aumento do preço dos combustíveis que arruinou o sector imobiliário e o sector automóvel, com a crença na economia da sociedade de informação desligada do filtro criterioso e responsabilizável de cada pessoa, e com a falta de regulação coordenada dos preços dos bens e serviços, dos preços do capital e dos preços dos bens imobiliários.
A resolução da crise internacional passa pela criação de cidades mais eficientes, interligadas e concentradas em cada pólo, como já estão a fazer os Holandeses com a ligação por metro entre as principais cidades, aliás como deveriam fazer em Los Angeles, Chicago, Luanda, Grande Lisboa ou Grande Porto, tornando o transporte público efectivamente concorrencial com o transporte privado. Passa também por uma nova regulação das finanças internacionais e certamente, por uma maior regulação interna a cada empresa, se necessário criando mercados internos que responsabilizem cada decisor.
A resolução da crise em Portugal tem de acrescentar àquelas medidas as que têm a ver com a falta de produtividade do Estado e das empresas públicas e a incapacidade dos empresários portugueses em competirem nos mercados globais.
A falta de produtividade do Estado está relacionada com a multidão de trabalhadores – exploradores que nos legaram trinta e tal anos de governos do Bloco Central. São os funcionários das empresas públicas e semi-públicas às quais foram concedidos monopólios como é o caso da TAP, da SATA, da EDP, da EDA e das muitas empresas municipais e nacionais que se foram criando para satisfazer as clientelas laranja e cor-de-rosa. São os funcionários públicos com vínculo laboral nomeadamente aqueles que tem mais capacidade de reivindicação como os profissionais da educação e da saúde. São, finalmente, os ex-políticos que vão recebendo as pensões vitalícias dos tempos de submissão que passaram por parlamentos e gabinetes. São trabalhadores – exploradores porque literalmente exploram todos os outros cidadãos. Na verdade não é nenhuma entidade capitalista que lucra com as concessões monopolísticas desajustadas; quem lucra com as concessões monopolistas são quase sempre os trabalhadores – exploradores que aí são vinculados: - são os funcionários vinculados da TAP, da SATA, da EDP, da EDA que impedem medidas de boa gestão ameaçando greves, são eles também que se opõem à reestruturação do sector e da empresa, são finalmente eles que pouco fazem para defender as centenas e milhares de tarefeiros que são facilmente despedidos embora possam produzir mais. São os funcionários vinculados das empresas municipais que dificultam uma melhor gestão da água, do saneamento básico e dos resíduos sólidos. São os muitos vinculados da função pública que impedem uma gestão eficiente da educação e da saúde ao mesmo tempo que não se importam com o desemprego dos muitos especialistas que ficam incapazes de exercer a sua profissão.
O drama é que os trabalhadores – exploradores têm muitos votos. Até que os desvinculados se revoltem como já está a acontecer na Grécia.

Árvore, Pai Natal e Menino Jesus

Portugal deixou de ser um país com liberdade de manifestação. Se calhar nunca o foi. No entanto, a maior parte das vezes a restrição à liberdade de manifestação não é explicitada por quem tem poder nem muito menos é orientada pela consciência de cada um. O que restringe a liberdade é o medo e é por medo de não ser politicamente correcto, ou pelo atávico pavor do ridículo, que muitos deixaram de fazer Presépio no Natal, outros deixaram até de apresentar o Pai Natal e só colocam a Árvore, e outros ainda já só colocam fitas e uns bonecos feios. Qualquer dia não se coloca nada pois o que existe passa a ser melhor do que uns bonecos feios que nada representam para os outros.
Todavia, lá no fundo de quem tem o trabalho de colocar os bonecos, existe certamente essa sede inata de amor do Pai Natal que traz presentes e que fica presente; existe também, necessariamente, uma busca de mudança que nos é respondida pelo Menino Jesus; lá está, sem qualquer dúvida, a procura de encontro com a família que vem de longe ou que estando perto está longe. E é assim que parece mais interessante procurar aquilo que une a Árvore, o Pai Natal e o Menino Jesus do que procurar classificações que espartilham este tempo grande.
A Árvore é o símbolo da terra e da vida que nos foi dada. As folhas permanentes das árvores que escolhemos para o Natal dão-nos a certeza de que a dormência de todas as outras formas de vida é passageira, até que o sol volte de novo a aquecer aquilo que era frio e ameaçava morte.
O Pai Natal é traz-nos a certeza de que não é só a árvore que admiramos que recebe sol e renasce mas que também nós dependemos da graça que Deus nos dá de presente. Na verdade é cada vez menos credível pensar que a Terra vive só da energia que recebe do sol sem que nesse sistema não entre o Homem e a sua criatividade sempre reactivada pelo presente da Graça do Pai. Não há grandes dúvidas de que o Pai Natal nos traz presentes todos os dias.
O Menino Jesus é um milagre e um enorme desafio. É a Verdade que encarna desafiando todos nós a sermos com Ele. O problema é que não é possível desligar a vinda do Menino com a revolução interior que nos é pedida, todos os momentos, na consciência de cada um. A maior parte das vezes distraímo-nos, umas vezes com o Pai Natal do Antigo Testamento que assumimos como moralista e justiceiro. Outras vezes com o encanto das Árvores que nos rodeiam. Tantas vezes na amargura de quem tem receio de pedir porque tem medo das mudanças que tal pedido possa trazer. O que é certo é que o nascimento do Menino Jesus trouxe desde logo a reacção dos poderosos, desde a matança dos inocentes à morte de Jesus, desde o alheamento de Pilatos ao pavor dos discípulos.
No entanto Ele continua no meio de nós, a querer que cada atitude e gesto nosso seja criador do Reino de Deus e não adulterador dos talentos que nos foram dados. O segredo parece estar na oração, que nos permite rever e gozar a Árvore que temos de volta, que nos dá a graça, a protecção e o perdão do Pai e que nos dá a força do gesto de amor e de encontro com o Menino Jesus.

Thursday, November 06, 2008

Yes, We Can!?

O slogan é dúbio. Por um lado responsabiliza cada pessoa na criação de um mundo melhor deixando para trás as desculpas esfarrapadas de que a culpa é do Sistema, do Estado, dos chefes, dos ricos, dos criminosos, dos terroristas, da China, da América, ou do que quer que seja. Por outro lado dá o tom fascizante e demagógico que preocupa o mundo face a este “We” Americano. De alguma forma este “We Can!” confunde-se com o preocupante e conciso discurso de Mussolini no qual só disse: “Nós!”. Por tudo isto seria bem melhor que o “We” se tranformasse em “You”, já que, pelo menos neste “You” todos os americamos e não americanos se sentiriam incluídos e responsabilizados em abordar os problemas que afectam o mundo sem criar outros mais graves.
A marca das administrações democrata americanas no mundo não é das melhores. As intervenções das administrações democratas na antiga África Portuguesa não só deram um cunho inusitado de terror quando Holden Roberto, apoiado por John Kennedy, fomentou os massacres no Norte de Angola, que junto novos ódios aos que já existiam, mas também assumiram a hipocrisia de apoiar os dois lados da guerra colonial para que, ao mesmo tempo, mantivessem a Base das Lajes e garantissem um novo posicionamento em África. O posicionamento face a Cuba cristalizou a esquerda na América Latina e colocou-a à mercê do expansionismo soviético, tendo potenciado o crescimento de guerrilhas tipo FARC na Bolívia e a criação de regimes do tipo de Hugo Chavez na Venezuela, de Evo Morales na Bolívia e, anteriormente, de Daniel Ortega na Nicarágua. Isto para já não falar dos desastres no Vietnam no tempo de Johnson, na Somália na era de Clinton, ou do Irão quando Carter esteve no poder. Finalmente, as utopias americanizadas, têm mais efeito no mundo quando propagandeadas por democratas e por isso são mais perturbadoras.
Mas estas, dir-me-ão, são desconfianças de um “portuga” que não se alegra com a esperança de mudança num país hegemónico e influente como os Estados Unidos. País de onde tem vindo a inovação tecnológica, a inovação política, a ciência e alguma arte. Aceito a ingenuidade magnífica da esperança só e só se fizer parte do projecto, se e só se o “nós” me incluir ou então, se o “nós” for substituído por um um “vós”.
E nesse caso proponho-me com Barack Obama para resolver os problemas que afectam o mundo.
- Quero transformar a Base das Lajes de uma arma de guerra que de facto é, numa arma de paz, com low costs a fazerem escalas e voos entre as muitas cidades americanas e os destinos de turismo e de negócio no Médio Oriente, em África e, a partir da Europa, na América do Sul.
- Quero concentrar as cidades americanas de forma a que os seus residentes passem a deslocar-se 30 quilómetros por dia como na Europa em vez de 80 quilómetros por dias como agora acontece nos Estados Unidos, gerando problemas gravíssimos no aquecimento global e na desvalorização das habitações.
- Quero que os recursos naturais sejam pagos nos locais onde existem sejam eles a biodiversidade da floresta tropical da amazónia, o petróleo do Médio Oriente, os recursos humanos da China e da Índia, ou os recursos marinhos dos Açores e do Hawai.
- Quero que ultrapassem a política de muros que construíram na Alemanha, na Coreia, no Vietnam, que estão a construir em Israel e que queriam construir entre o Norte e o Sul de Portugal, o Norte e o Sul de Angola, o Norte e o Sul de Moçambique, o Leste e o Extremo Leste de Timor, a Base e Santa Rita na Ilha Terceira.

Thursday, October 30, 2008

Tiago

A visita estava feita. Espantados pela riqueza da Igreja de São Francisco, aquietados pela grandeza equilibrada da catedral, escandalizados com o arrasamento laicista da Sé, inebriados pela musicalidade surpreendente da Missa em Nossa Senhora do Rosário dos Negros e estarrecidos com a dimensão da cidade do século XVIII (que nos pareceu maior que Lisboa da altura), encaminhamo-nos com o cansado, despreocupado e saciado gozo turístico para o Elevador Lacerda, que liga a Cidade Alta à Cidade Baixa da cidade de Salvador da Baía de Todos os Santos, para pegarmos o carro alugado que ali tínhamos estacionado duas ou três horas atrás.
De repente sinto um pequeno encontrão, ouço um grito e vejo um miúdo a fugir. O pensamento é rápido nestas situações. Entre ficar no local para onde convergiram as pessoas ou correr atrás do ladrão. Optei por pedir para guardar o pequeno saco que tinha comigo e correr atrás do atacante. Durou pouco tempo a corrida apesar de me espantar a mim próprio pelo avanço que estava a conseguir ter face a um miúdo certamente apavorado. De facto, ao virar-me para trás para me assegurar que estava tudo a correr bem no local do crime, estatelei-me ao comprido na calçada e embora retomasse a perseguição fui rapidamente secundado e substituído por três ou quatro polícias que naqueles poucos segundos conseguiram reagir. Tivesse o mesmo acontecido em Portugal e pediriam para prestar declarações na esquadra mais próxima ou pura e simplesmente teriam dito que não estavam ali para isso mas para defender uma qualquer entrada de banco ou repartição.
A verdade é que nem tivemos tempo de ir embora uma vez certificados que não tinham conseguido levar nada. Em dois ou três minutos fomos informados que o miúdo tinha sido agarrado um quarteirão abaixo por outros polícias, que vindos do outro lado, conseguiram cercar o assaltante. Um estalo forte de um polícia escandalizou-nos mas uma faca grande encontrada no bolso e a necessidade de não desautorizar o fantástico trabalho policial acabou por determinar a nossa queixa junto da esquadra.
Mas a partir daqui tudo muda. O miúdo tem menos de quinze anos e é por isso que é utilizado pela máfia local para roubar os turistas. E porque é miúdo é logo acompanhado pelo irmão um ano mais velho que num gesto estupendo se entrega para o acompanhar declarando que estava de “olheiro” e que, portanto, também estava a participar no roubo. É a décima vez que o Tiago é apanhado e provavelmente continuará a sê-lo, a magoar pessoas e a magoar-se a ele próprio. Vivem com a mãe que trabalha como empregada doméstica e que é boa pessoa segundo a polícia. Mas o aliciamento das pequenas máfias que vemos retratadas no filme “A Cidade de Deus” acaba por afunilar o percurso destas crianças.
Que fazer? Tirei o terço do bolso e dei-o ao Tiago mas o meu espaço de manobra era também limitado e afunilado naquele contexto. Aliás, é naquele contexto que sentimos que o nosso espaço é muito limitado sem a intervenção de Nosso Senhor. É limitado para nós turistas e é limitado para os meninos de rua. Aquele chama-se Tiago e passou a ter nome. A esperança é que venha a ser São Tiago. O que sabemos é que, de acordo com o que vamos aprendendo, está mais perto de o ser do que nós.

Wednesday, October 15, 2008

Paul Krugman e a Crise Finaceira

Paul Krugman da Universidade de Princeton nos Estados Unidos ganhou o Prémio Nobel da Economia 2008, pela sua análise nos padrões de troca entre regiões e pelo sue estudo sobre a localização das actividades económicas. Na verdade trata-se de um reconhecimento pela teoria económica da importância do espaço que há muito vinha a ser levantada pelos especialistas em economia regional e geografia económica. Trata-se também de um desafio a estes últimos investigadores para integrarem mais nas suas análises os métodos e conceitos do espaço estilizado proposto por Krugman. O que o Nobel vem provar, contrariamente ao que era genericamente aceite pela teoria neoclássica do desenvolvimento, é que há razões que a geografia conhece para haver centros mais desenvolvidos e inovadores que atraem pessoas e meios, e periferias menos desenvolvidas e mais conservadoras que exportam pessoas e meios.
Como ligar esta atribuição do Prémio Nobel da Economia com a crise internacional que estamos a observar e a começar a sentir mais perto? Para responder a esta pergunta vamos primeiro tentar explicitar o que sabemos da crise para depois interpretá-la aos olhos dos dizeres de Paul Krugman e, eventualmente, explicitar alguma questão que não tenha sido explicitado pelo Nobel mas que nos apareça como agora como fundamental face aos acontecimentos financeiros recentes.
O que sabemos da crise financeira é que se verificou uma forte quebra de confiança no sistema financeiro que foi motivada por três causas fundamentais: i) Primeiro, a desvalorização efectiva de grande parte do imobiliário em virtude do aumento do preço do combustível ter desvalorizado as casas à medida que se afastam dos centros de comércio e de emprego. ii) Segundo, a perda real de competitividade do mundo ocidental face à China e à Índia o que faz associar esta crise à que existiu nos finais do século XIX quando foi necessário fazer um ajustamento brusco porque, nessa altura, a competitividade dos Estados Unidos já há algum tempo tinha suplantado a da Europa; iii) Terceiro, a incapacidade dos instrumentos de regulação dos mercados financeiros terem acompanhado a evolução destes que foi suportada pela rápida evolução das tecnologias da informação.
Há uns saudosos da intervenção do Estado, do proteccionismo, das empresas públicas e das oligarquias de funcionários, políticos, clientes e dependentes, que julgam que este é o momento para voltar para trás ou que, no caso de Portugal e dos Açores, é a altura para não seguir o que outros já assumiram há anos. No entanto estão enganados pois grande parte da falta de competitividade no ocidente e de Portugal que justificou a crise é devida à ineficiência do Estado e à falta de informação fidedigna sobre a eficiência das grandes empresas cotadas nas Bolsas. E para isso há que dar eficiência à provisão de bens e serviços públicos independentemente da escolha dos cidadãos por mais ou menos bens e serviços públicos, e há que melhorar a informação sobre a eficiência efectiva das empresas o que é muito difícil sem considerar a escala humana da proximidade e do saber, muito para além das chamadas tecnologias da informação que são potenciadoras de mentiras se não tiverem o filtro humano da proximidade e do saber. É neste aspecto que Krugman tem razão e não a tem. É que a proximidade física do anonimato das grandes cidades não tem nada a ver com a proximidade física da interacção entre pessoas que confiam umas nas outras, que manifestamente é mais difícil de encontrar nas grandes cidades. A menos que nas periferias se opte pela mentira como vem sendo hábito nos Açores.

Friday, October 10, 2008

Visigodos

Como é costume todos os anos, estou a passar uns dias de férias no Algarve. Dizem-me que é um desperdício deixar os Açores nesta altura de verão mas também é a única forma de me encontrar com a minha família continental de passagem para o congresso anual da European Regional Science Association onde costumo participar e que este ano se realiza em Liverpool, um sítio fácil de alcançar quer de Lisboa quer de Faro através dos voos baratos e eficazes da EasyJet.
No Algarve a vida passa entre as conversas e os banhos de praia, as conversas e sopas das refeições, mais uma ou outra caminhada que os areais do sul permitem, e um livro ocasional que alguém trouxe para tresler. Nas conversas deixou de haver espaço para a política já que a esperança está cada vez mais numa mudança repentina de regime; uma espécie de revolução que mude o rumo das coisas. Nas refeições ainda há acesso a peixe mas quase todo vem de longe pois as políticas de quotas europeias e a delapidação dos stocks pelos barcos espanhóis eliminou a linha do horizonte iluminado de pequenos barcos de pesca a que costumávamos chamar a “Auto-estrada de Marrocos”. Os banhos são um desconsolo para quem vem dos Açores com a água muito mais fria e muito menos transparente. Resta-nos assim o livro para vos contar.
Este é sobre a “Aventura dos Godos” de Juan António Cebrián, que procura na história daquele povo bárbaro a razão de uma certa hispanidade que eles como os de agora tiveram e têm dificuldade de conseguir. Todos nós pouco mais sabíamos que os Visigodos chegaram à Península um pouco depois dos Alanos, Vândalos e Suevos no princípio do século V e que passado alguns séculos conseguiram criar um reino peninsular que, no entanto, pouco tempo durou antes de ser derrotado pelos árabes no século VIII. Também sabíamos que eram de religião ariana e que só no fim da sua presença se converteram ao catolicismo.
O que foi para mim novidade foi que os visigodos eram pouco mais de 200000 quando a Península tinha cerca de sete milhões de hispano-romanos de religião católica. O que é novo para mim é que estas tribos estavam proibidas de se misturar com a população hispano-romana até ao princípio do século VII e que tiveram muita dificuldade em controlar o actual País Basco, a Cantábria, a Galiza e a Andaluzia. O que é marcante é que a maior parte dos reis desta gente morreu por assassinato e que se tratava de uma monarquia electiva como foi mais tarde retomado em Portugal onde o rei tinha que ser aclamado pelas Cortes. O que me contaram no livro foi de facto o processo de destruição do Império Romano e a longa criação de novos Estados da Europa com as fronteiras e nacionalidades que se mantém até agora. O que também percebi é que a criação dessas nacionalidades é impossível sem o papel da Igreja Católica que estimulou a unificação entre a minoria aguerrida bárbara e ariana e a maioria romanizada e católica. O que vemos é que a divisão da Península no tempo dos Romanos e Visigodos foi marcada pela distância ao Mediterrâneo cabendo alguma unidade às civilizações do Tejo e do Guadiana com capital em Mérida. No entanto a divisão da Península a partir da reconquista cristã é marcada pela distância ao Atlântico que passa a ser o “rio maior” e determinante. E nesse “rio maior” os Açores são a âncora essencial que desilude a sempre efémera unidade hispânica; mesmo no tempo dos visigodos.

Reféns de partidos sem qualidade

A Deolinda Estêvão do PPM diz que a "Terceira está a passar pela maior crise de identidade e de afirmação". O Artur Lima do CDS-PP afirma que a "Terceira não é prioridade para os socialistas". Victor Silva da CDU reafirma que "A Terceira não tem sido tratada como merece". Carlos Costa Neves do PSD diz que a "Ilha Terceira desconsiderada pelo actual poder socialista". Um pouco mais indirecto Paulo Mendes do BE contrapõe que "O governo confunde desenvolvimento com turismo” mas se tivermos presente que o turismo tem crescido em São Miguel e que o desenvolvimento não está a ocorrer nas ilhas, a ideia do Bloco é semelhante à dos outros partidos. Para rematar esta atitude pedincha e lamurienta proposta aos Terceirenses pelos vários partidos lá vem a proposta pedincha e lamurienta de Carlos César face ao Continente solicitando a”cumplicidade e apoio” do país à autonomia. A única diferença vem do PDA que exige a transferência para as Ilhas das competências que muito provavelmente se exercerão melhor aqui como é o caso da justiça. A dúvida que tenho é se casos graves de justiça não seriam enviesados por interesses locais já que, sintomaticamente, casos chocantes como a pedofilia ou a droga são sempre denunciados gente de fora e encobertos por quem está próximo.
O único partido que parece ter uma razão humilde, é o Paulo Jorge do MPT quando afirma que os "Açorianos estão reféns de partidos sem qualidade". Já me dizia o António Sousa da RDP há anos, que os açorianos são pessoas muito sérias mas os governos, e portanto os políticos, são a brincar. De facto não faz sentido a choraminguisse e a lamúria quando todos sabemos que o desenvolvimento está associado muito mais à produtividade do que ao consumo de bens transferidos pelo Estado com o nosso dinheiro e com o dinheiro dos outros. Mais, todos sabemos que o dinheiro que os outros transferem para benefício de pouco na Região foi-nos roubado a todos em capacidade produtiva da terra, do mar e da posição logística vendida aos outros pelos governos regional e da república. Reféns de partidos sem qualidade.

A Força da Água

O Partido Socialista está a perder votos todos os dias na Ilha Terceira devido aos cortes sucessivos no abastecimento de água que denunciam a inadequação da política seguida ao longo dos último anos quer de âmbito municipal quer de âmbito regional. Nas outras áreas da governação os sucessos também não são por aí além pelo menos para esta ilha do meio e é por isso que toda a gente começa a hesitar entre a abstenção e um voto num partido que tenha tido menos responsabilidades governamentais. A verdade é que há muitos para escolher e desta vez os votos nos partidos mais pequenos não são perdidos por virtude da existência do círculo regional.
Na verdade, se os povos fossem racionais votariam contra o Partido Socialista na Ilha Terceira e contra o George Bush na América. Os primeiros forçam artificialmente a centralidade de São Miguel por intermédio das empresas monopolistas que controlam nomeadamente a SATA e a EDA e, ainda por cima, enchem as ilhas de obras inúteis deixando para segundo plano aquelas que deveriam ser feitas como acontece com o essencial abastecimento de água. Os segundos levam cinco anos a perceber um pouco melhor a forma de encarar a guerra no Iraque e ainda não entenderam que a raiz da crise americana está na desvalorização efectiva de muitas casas por virtude do aumento galopante do custo de transportes em cidades muito espraiadas onde é difícil introduzir transportes públicos. De facto enquanto que um americano médio anda 70 quilómetros por dia um europeu anda menos de metade desse valor. E como o custo dessa distância duplicou muitas das casas americanas situadas mais longe do centro deixaram de ser vendáveis e perderam um valor irrecuperável.
Esta é a vantagem substancial das crises. Da crise da água na ilha Terceira e da crise da habitação nos Estados Unidos. A primeira obriga a pensarmos sobre as nossas decisões colectivas e a deixarmo-nos embasbacar menos por obras de fachada que ficam sempre bem nas maquetas. A segunda obriga os americanos a repensar o modelo de desenvolvimento das cidades que tentaram impor como o “American Way of Life”. As Torres Gémeas mostraram as suas limitações em termos de segurança. A cidade de Nova Orleãs mostrou o desastre da gestão de toda a bacia do Rio Mississipi para além da falta de gestão urbana. E o colapso do mercado habitacional avisa-nos para o erro fatal das cidades baseadas no automóvel e nos guetos e condomínios de subúrbio.
O estranho é que, tanto nos Açores como nos Estados Unidos a maior parte dos Universitários tende a pensar como o poder ficando implicitamente co-responsabilizado com os desastres que vão ocorrendo. Na Terceira terão feito os estudos de impacto ambiental disto e daquilo mas nunca vi apresentarem alternativas às soluções únicas trazidas pela falta de criatividade política. Na América, para meu espanto, num Congresso a que fui sobre urbanismos em Julho deste ano, nunca levantaram a hipótese de que a crise que têm em mãos esteja associada ao desenho das cidades. Parece que a dependência universitária dos fundos públicos está a toldar as mentes e a condicionar o espaço de liberdade que a ciência exige. Só nos resta o povo para criar a mudança inesperada pelo voto. Ou então a força da água e do custo de energia que deixa as pessoas sujas e as casas sem valor.

Wednesday, June 18, 2008

Contra a Autoridade! Liderar, liderar,...

De 2 a 6 de Junho decorreu no Hotel Terceira Mar em Angra do Heroísmo um curso denominado “Liderança para o Século 21” promovido pela Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento com o subsídio inevitável do Governo Regional dos Açores e o pagamento de propinas por parte dos alunos. A entidade responsável pelo curso foi a Harvard Kennedy School tendo como docentes os professores Maxime Fern, da Austrália, Hugh O’Doherty, da Irlanda do Norte e Marty Linsky, dos Estados Unidos.
Os cinquenta participantes foram escolhidos de entre duzentos e tal candidatos. Em termos geográficos vinte vieram de Lisboa, onze da Terceira, nove de São Miguel, quatro do Porto, e três de outras regiões do país. Trinta e um vieram de entidades privadas, sete de universidades, sete do Estado e dois de outras instituições. As idades variavam entre vinte e poucos e cinquenta e muitos, e havia cerca de um terço de senhoras para dois terços de homens. Alguém questionou sobre o critério de selecção mas o importante foi encontrar uma representação criativa da população portuguesa naturalmente um pouco enviesada para os locais em que o curso estava mais acessível.
O curso foi um choque permanente. Primeiro, com a leitura do livro “Leadership on the Line” percebemos que liderança tem mais a ver com o testemunho de São João Baptista do que com a autoridade de Herodes, muito mais a ver com aqueles que arriscam para mudar o mundo e as organizações, do que com aqueles que procuram manter as coisas quando estão em cargos mais ou menos proeminentes. Segundo, ao longo do curso, fomos entendendo à custa de todos que tínhamos mais a aprender com os nossos próprios erros, nas tentativas de mudarmos os grupos com quem interagirmos, do que com a emissão e recepção de slides e discursos. Terceiro, depois de voltarmos aos nossos sítios, registámos a dificuldade de começar a implementar os processos de liderança e risco capazes de mudarem o mundo para melhor.
Mas o que é que nos impede de mudar o mundo, se é para melhor? O problema é que, embora as pessoas e as instituições não sejam contra a mudança, são naturalmente contra as perdas que as mudanças sempre criam. E por isso tratam de anular as atitudes de liderança adaptativa através da marginalização, da diversão, do ataque e da sedução. É o caso sintomático da liberalização dos transportes aéreos para São Miguel e para a Terceira onde uns tantos, que temem perder benefícios e poder, procuram marginalizar quem defende a mudança da regulação, buscam divergir para assuntos paralelos como declarações de princípios de características totalitárias, atacam com ironia quem sugere o estudo de soluções de regulação alternativas, e seduzem com sabedoria aqueles que teriam mais fundamentos para defender a liberalização.
Face a tanta adversidade por parte de quem exerce autoridade como é possível provocar a mudança necessária através de uma liderança adaptativa? A técnica que os docentes de Harvard propuseram ajuda-nos a perceber um pouco porque razão os sistemas humanos resistem às mudanças; mas também nos indicam a forma de ultrapassar essas restrições. Por um lado há que definir como de costume os problemas, os objectivos e as acções – como nos ensina qualquer manual de desenho de projectos. Por outro lado, e mais importante, é fundamental explicitar os objectivos velados que nos impedem de avançar com as acções necessárias, e perscrutar os riscos que corremos se as acções forem de facto avante. No caso dos transportes aéreos o problema é a falta de acessibilidade das ilhas, o objectivo é a garantia dessa acessibilidade a preços comportáveis e a acção seria liberalização dos transportes para São Miguel e terceira em vez da concessão de monopólios de serviço público. No entanto, se formos perspicazes, percebemos que o objectivo subjacente à não liberalização é evitar a falta de competitividade de companhias de bandeira e resistir à transferência da plataforma de distribuição regional de São Miguel para a Terceira ou para o Faial. A solução revolucionária que nos apontaram resume-se à máxima, se possível cantada, “contra a autoridade, liderar! liderar!.. com desígnio e persistência”

Grande Irlanda

Talvez pouco saibam mas a Europa que hoje temos deve-se em grande parte aos Monges Irlandeses que durante as invasões bárbaras foram capazes de guardar e depois expandir a sabedoria da civilização cristã terrivelmente ameaçada pelo colapso do Império Romano. É bom lembrar isso pois será porventura o Não irlandês, que agora deixa perplexos muitos políticos europeístas, a garantia para que a União Europeia continue a ser uma instituição fazedora de paz em vez de guerra, uma entidade que se sustenta e se apoia na soberania de muitos povos e não da efémera e terrífica vertigem filipina, napoleónica, nazi, estalinista ou titista de má memória.
Ainda bem que a Irlanda tem referendo porque se isso não acontecesse a Constituição Europeia passaria sem qualquer voto popular. Fizessem o referendo em Portugal, Inglaterra, França, Holanda, Polónia, República Checa e Dinamarca e muito provavelmente o não venceria. Quer isto dizer que todos estes povos são estúpidos e não percebem o que é a construção europeia? Certamente que não a menos que o desígnio dos políticos europeístas seja serem cabos, sargentos e praças de um novo imperador. O que quer dizer, tão simples quanto isto, é que a Constituição Europeia tem mais contras do que prós e que os políticos, europeístas e não europeístas, não foram capazes de retirar os contras e de manterem os prós.
Muita gente apoiará a vocação europeia na construção da paz, mas ninguém está interessado em que essa paz seja feita à conta de uma confronto militar face aos Estados Unidos, à Rússia e ao Islão. Toda a gente estará de acordo em que o processo de decisão na Europa deve ser agilizado, mas poucos concordam em que a Europa tenha competência que não sabe nem consegue gerir bem como é o caso manifesto da gestão da biodiversidade marítima. Toda a gente acha bem a liberdade de circulação de pessoas, de capital e de bens dentro da Europa mas muitos acham mal que isso implique a redução das ligações entre os países europeus e os países do mundo que partilham da mesma língua e que sofrem com o proteccionismo europeu.
Mas o que mais me aborrece e confunde no projecto de Constituição Europeia é ele ter o nome do Tratado de Lisboa. A ideia de Europa que aí se defende é uma Europa fortaleza onde a única função da fronteira é a de ter militares e faroleiros subsidiados e políticos e eleitores vendidos para preservar a hegemonia de um centro do Sacro Império Romano Germânico. O conceito de Europa que aí se retrata é de um super - estado intervencionista que restringe a liberdade das empresas e dos cidadãos e distribui às periferias de exclusão uns dinheirinhos para manter aqueles que nem conseguem emigrar. A Europa que aí se defende é uma construção ideológica que impõe um modelo onde a liberdade de cada homem, de cada família, de cada comunidade e de cada país fica sujeita a uma trama complexa de regulamentos cuja única função é afectarem rendas roubadas aos proveitos do enorme capital humano e territorial que a Europa detém.
Tenho muita pena que o referendo não tenha sido feito em Portugal. Muito provavelmente votaríamos não. Seria um voto contra uma Europa Imperial e a favor de uma Europa Arquipelágica. Seria também um voto de Portugal contra a Lisboa política que ainda temos de carregar por mais alguns anos. Como é que aceitamos que se apregoe a democracia quando negam o poder do voto exactamente quando há indícios de que o voto é não.